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Estratégia & Marketing Postado em terça-feira, 20 de fevereiro de 2018 às 12:47
O fundador que colocava a mão na massa, hoje precisa ser o líder que delega. O empreendedor que amava a operação, agora está pensando na estratégia. Cada etapa do seu negócio vai exigir de você um novo papel.

Então, como posso me adaptar a essa constante evolução?

Convidamos o empreendedor Marcos Arruda, da Moneto, para um bate-papo online com a Maria Fernanda Musa, do time de Apoio a Empreendedores da Endeavor. Com tantos anos de jornada, Marcos é um verdadeiro empreendedor serial: fundou diversas startups desde a faculdade e chegou a vender algumas delas a gigantes como Patagon.com (Grupo Santander). Hoje, enfrenta o desafio de gerir a Moneto, uma scale-up que figura entre as fintechs que mais crescem no país.

Confira abaixo a transcrição do bate-papo ou dê o play no vídeo, diretamente no Facebook.

Quais são os indicadores que o empreendedor pode observar de que é hora de sair do tático para focar no estratégico?

Quando começa seu negócio, você é tudo: o Financeiro, o Marketing, a pessoa que vende e faz a pós-venda. Você faz de tudo um pouco. Essa característica é muito operacional. Você está movido pela execução, não por um plano estratégico.

O estratégico vem à tona quando as pessoas começam a te fazer a pergunta mágica: em três anos, onde você gostaria de estar? Nesse momento, você lida com perguntas que, até então, não estava habituado e que vêm de fora para dentro: de um parceiro, colaborador, mentor ou cliente.

Desde o começo do negócio você precisa ter essa visão de onde quer chegar?

Com certeza. Por um simples motivo: o seu time te cobra isso. As pessoas acordam, vão trabalhar e querem saber para onde estão indo, qual será o futuro delas. Por essa razão, o empreendedor tem a necessidade de criar a visão e ganhar consciência sobre a estratégia.

Porém, eu não vejo muitos empreendedores saindo das questões operacionais. Já que foi ele quem criou o negócio e conhece suas particularidades, a proximidade com a operação é muito grande.

O empreendedor precisa desenvolver a consciência de que ele é responsável socialmente pelo seu time, tem pessoas ali projetando o seu futuro familiar ancorado no crescimento da empresa e de seu crescimento profissional. Precisamos ter senso de responsabilidade e saber para onde estamos apontando nossa empresa.

O desafio, então, é gerir as pessoas para que ele continue próximo, mas não seja mais aquele que coloca a mão na massa.

Como você sabe o momento certo de delegar as tarefas operacionais para pensar no estratégico?

Além do questionamento acima, de onde você deseja estar nos próximos anos, alguns sinais claros são:

- O negócio está estagnado;

- Você não consegue vender mais do que está vendendo;

- O time não está muito motivado;

- O investidor te faz sempre as mesmas perguntas: quando vai ser a próxima virada? Por que os números não melhoram? O que está acontecendo?

Esses pequenos indicadores são um reflexo de que você está olhando muito para dentro da operação e precisa olhar mais para fora no mercado. Uma análise SWOT, por exemplo, é suficiente para entender o que os concorrentes estão fazendo, quais são suas forças e fraquezas e que oportunidades estão passando despercebidas.

São poucos empreendedores que param, na virada de cada mês, por exemplo, para observar os lançamentos de um concorrente, entender se ele está saindo mais na mídia que você ou se alguma movimentação de mercado está indicando uma tendência importante.

Como a sua visão de gestão de pessoas evoluiu com o tempo?

Foi nesse ponto que eu mais errei. No início, as contratações acontecem porque você precisa de mais braços para fazer o negócio funcionar. A gestão das pessoas acaba ficando em segundo plano. Meu maior aprendizado foi perceber que, para fazer gestão de pessoas, eu precisaria entender como funciona o ser humano. Não adianta colocar uma pessoa na área de Cobrança que tem necessidade de agradar os outros, por exemplo. Por natureza, ela não conseguirá executar bem o trabalho.

Gestão de pessoas não é inserir um colaborador em uma caixinha do organograma, descrever as atividades e cobrar pelos resultados, como se estivéssemos na Revolução Industrial. Você precisa entender quais são os objetivos dele, se aquele negócio é o melhor para ele se desenvolver. Eu costumo dizer que, às vezes, a pessoa é certa, mas a empresa é errada.

Fiz terapia por cinco anos, fiz hipnose clínica, gosto de ler sobre biografias e passei a ser um curioso pelo comportamento humano. O que mais ampliou minha visão foi descobrir que gestão não se trata de criar uma lista de tarefas a serem feitas pelo time, mas sim saber se uma soma habilidades e comportamento estão adequados para aquele tipo de atividade.

Como fundador, qual é o seu papel disseminando a visão, a missão e os valores na companhia?

Essa é uma tarefa que exige muita comunicação. Muitas vezes, você está comunicando a meta, a pessoa está escutando, mas não compreende nada. Eu preciso, então, me conectar com ela e ter certeza de que conseguiu compreender.

O desafio do líder não é fazer uma apresentação de PowerPoint ou levar todo mundo para a fazenda na festa de fim de ano, acreditando que isso é suficiente para todos se conectarem com seu propósito.

Se eu não estou me comunicando de forma eficiente, o problema está em mim, não no time. Sempre me pergunto: estou comunicando de forma clara? O propósito cria eco no time? Eu esgoto essas perguntas para depois entender se o time está conectado com o meu propósito.

Uso o almoço e intervalos de café para reforçar nossa missão e propósito, sempre de uma forma leve, não exaustiva.

Como você exercita a comunicação para expressar a estratégia e o propósito?

Comunicação eficiente está no café. Quando você esbarra com a pessoa no corredor e pergunta: “E aí, estamos muito longe de ser um banco digital?” isso impacta e faz refletir. Ou no café: “E aí, a sua área conseguiu entregar aquele projeto para fecharmos o 1º passo de 10?”

Nós aprendemos a duras penas que o jeito mais rápido de conectar alguém é falar para essa pessoa dos sonhos e objetivos da empresa, mesmo que de longo prazo. Mas para essa conversa não parecer muito abstrata, você precisa fazer três perguntas:

- O propósito está claro para essa pessoa?

- Ela conseguiu entender os 3 ou 4 passos que precisamos seguir para chegar lá?

- Ela enxerga como a sua área vai contribuir com esse processo?

Quando você encontra pessoas que estão conectadas com seu propósito, como você estimula o crescimento delas?

Eu vejo que o ser humano é desafiado quando entra na zona de desconforto, aprendi claramente isso quando eu estudei na Academia da Força Aérea na formação de pilotos e no próprio ITA. Nesse momento, ele passa a desenvolver habilidades de sobrevivência. Eu sei como nadar, mas empurro alguém na piscina e ajudo nas primeiras braçadas, até pegar o jeito. Pode ser que engula um pouco de água no começo, mas essa prática ajuda a crescer.

A pessoa nunca está 100% preparada para assumir uma posição de liderança, mas nós sempre vamos empurrando para a zona de desconforto para que ela se desenvolva. E quanto mais isso vai se tornado confortável, mais empurramos.

Meu sócio costuma dizer que o dia fácil foi ontem, hoje eu já não sei.

Quando a empresa cresce mais rápido do que o time, como você prepara as pessoas para os desafios que estão vindo?

Você precisa entender as limitações do time. Na Moneto, nós estamos crescendo tanto hoje que, daqui a três meses, é provável que o time de Suporte ao Cliente precise atender mil pessoas ao mesmo tempo. Eu compartilhei esse problema com a liderança da área e disse: “Eu não tenho essa resposta, mas estou compartilhando com você que isso vai acontecer daqui a um tempo. Pense nas alternativas e faça uma proposta para nós.”

Meu sócio costuma chamar a reunião seguinte de “Soma de Todos os Medos”. Funciona assim:

- Nós começamos perguntando ao líder de uma área: o que pode dar errado na sua área quando isso acontecer?

- Começamos a listar todas as possibilidades de problemas que podem surgir;

- Mostramos que estamos cientes dos problemas e do que pode dar errado;

- Pedimos para a pessoa listar de 3 a 5 ações que podem minimizar o risco;

- Ajudamos a pessoa a executar as ações, mas não executamos por ela.

No início, a pessoa quase infarta. Mas nós insistimos: não precisa ser herói! Não adianta transferir a responsabilidade pela solução inteiramente para o líder, esperando que ele encontre uma solução mágica.

E nesse processo, aprendemos todos juntos, pois nós como líderes de nosso negócio não temos, definitivamente, todas as respostas. Pelo contrário, portanto, precisamos olhar o problema e as alternativas por outras perspectivas.

Como delegar tarefas, quando a empresa cresce?

Delegar não é criar um documento com o passo a passo sobre o que deve ser feito. Essa é a última parte da equação. A primeira ação necessária é tratar a pessoa como você gostaria que ela fosse, não como ela é. Se eu olho meu estagiário como estagiário, ele será para sempre assim. Mas se eu o enxergo como um futuro coordenador, vou provocá-lo a fazer atividades de coordenador de área.

Se eu enxergo o João como alguém que sempre será Júnior na área dele, talvez eu não fale com ele sobre estratégia, nem compartilhe a angústia de uma tomada de decisão. Mas se enxergo que ele possa ser um líder do time, eu conto que estou preocupado com as futuras contratações, por exemplo.

Em resumo, sempre sigo três ações:

- Tratar a pessoa como eu gostaria que ela fosse, não pelo que ela é hoje (conhecimentos, habilidades, etc…);

- Criar a conexão e a importância daquela atividade para o contexto da área e da empresa;

- Delegar e acompanhar, quando ela tiver dificuldade.

Entretanto, nada disso funciona se não tiver confiança. A pessoa vai dirigir o carro e você vai ao lado, não o contrário.

E se você contratar errado, é melhor insistir ou demitir rápido?

Por muito tempo, nós subestimamos a importância de saber contratar. Hoje, o nosso objetivo é dormir tranquilos. Se eu dei feedbacks, criei um ambiente confortável para a pessoa se abrir e compartilhar seus desafios, estimulei a capacitação, e nada adiantou, dispenso rápido. No final do dia, temos a certeza de que a decisão não foi errada.

Quando você contrata alguém, exerce uma função social. Você contrata um filho que sustenta os pais, um pai de família, por isso precisa se esforçar em fazer o certo.

É difícil crescer quando você não consegue enxergar os próprios pontos cegos. Como você usa as mentorias para sair um pouco da operação, respirar fora d’água e voltar a mergulhar com a visão ampliada?

O empreendedor é muito solitário. Em casa, ele é criticado. Entre os amigos, ele é o louco. Ele vai se acostumando com essas críticas a ponto de se fechar em si mesmo. A primeira vez que entendi o valor de uma mentoria foi quando a Endeavor me convidou a conversar com alguns presidentes de grandes companhias do meu mercado, para me ajudarem com um desafio.Achei fantástico saber que existem pessoas dispostas a ouvir sobre meus desafios e usarem a sua experiência para me ajudar.

O ideal é buscar alguém que entende do seu setor ou de um desafio específico, levar um problema real e ouvir a opinião do outro. Mas para isso, você precisa reconhecer que não sabe.

Hoje, eu não sobrevivo sem mentoria. Em vez de errar um ano, você pode errar um mês. Aquele erro que poderia até fechar seu negócio, pode ser minimizado com a experiência de quem já passou por aquilo. E o mentor pode estar em qualquer lugar, não precisa ser apenas o presidente de uma grande empresa.

Fonte: Endeavor