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Gestão & Liderança Postado em terça-feira, 09 de março de 2021 às 10:23


Líderes seniores se alienam dos primeiros sinais de perigo e oportunidade. Saiba como superar isso.

Em 1992, um de nós (Kevin) entrou na Amgen, a maior empresa de biotecnologia do mundo, como presidente e diretor de operações. Até então, as principais influências profissionais de Kevin, na Marinha dos EUA, onde começou sua carreira e, depois, na General Electric e na MCI, haviam fornecido exemplos de princípios fundamentais de liderança.

Seus colegas eram autoconfiantes, seu estilo de liderança era baseado em comando e controle e suas expectativas eram claras e entendidas por todos. Kevin absorveu esse estilo, que adotou de modo natural e lhe permitiu ascender rapidamente na carreira. Ele relembra: “Minha abordagem era a seguinte: sou o cara mais inteligente da sala, e vou provar isso agora, nos primeiros cinco minutos. Eu chegava a interromper as pessoas para adivinhar o que iam dizer, poupando tempo para que pudéssemos chegar ao que interessava, que era eu lhes dizer o que deveriam fazer. E eu escapava ileso. Funcionava”. Até que um dia deixou de funcionar.

Em 2000, Kevin tornou-se CEO da Amgen. Nesta função, montou uma nova equipe de liderança e colocou a empresa na trajetória de aumento de receitas e lucros. Seguiram-se capas de revista e outros reconhecimentos que o empurraram para o que, olhando em retrospecto ele chama de“zona de perigo do ego”. Ele se tornou menos comprometido e preguiçoso do ponto de vista intelectual. Uma pessoa de confiança lhe disse que as pessoas comentavam que era melhor evitar encontros com o chefe depois das 15 horas porque sua atenção diminuía ao longo do dia.

Então veio a crise. Kevin era o CEO havia sete anos. Um estudo revelou que o fármaco Epogen, estimulante das células vermelhas do sangue, até onde se sabia praticamente não tinha efeitos colaterais, mas em altas doses causava risco levemente maior de problemas cardíacos. O medicamento respondia por um terço dos lucros da Amgen. A FDA determinou que a forma como era prescrito teria de ser mudada, o que reduziu drasticamente as vendas da empresa. Com a queda nos lucros, Kevin teve de fazer a primeira dispensa em massa da história da Amgen, o que reduziu 14% de seu quadro de funcionários.

No início, Kevin culpou os outros pelo desastre. “Eu estava em total negação”, lembra ele. “Tornei-me impaciente e arrogante, partindo do princípio de que as pessoas resolveriam o problema.” Mas uma noite ele se viu sentado sozinho num restaurante em Santa Mônica esperando sua filha e seu genro. O raro momento de silêncio deu-lhe tempo para refletir, e veio a epifania: em grande medida ele lidara mal com a crise do Epogen porque era um péssimo ouvinte.

Kevin resolveu que, daquele dia em diante, ia melhorar. Em vez de pensar em oito coisas ao mesmo tempo quando se encontrava com alguém, ele se faria presente. Em vez de abordar cada conversa como uma transação comercial, interromper as pessoas e dizer-lhes o que deveriam fazer, pediria minúcias do contexto e sugestões. Ele se comprometeu a estabelecer uma rotina de pesquisas, conversas e mecanismos de feedback que lhe abririam frentes de comunicação dentro e fora da empresa e lhe possibilitariam captar melhor os primeiros sinais de perigo e os lampejos de novas oportunidades.

Kevin percebeu que, para os líderes, a arte de ouvir tem dois grandes componentes. O primeiro consiste em ouvir sem distração ou julgamento, apenas para compreender. O outro, em criar sistemas e processos para tornar ativa a escuta e, em todas as frentes, elevá-la ao estado de hipervigilância. “Não se trata apenas de ouvir a pessoa do outro lado da mesa”, diz ele. “Mas de ficar atento a todo o ecossistema em que você atua. Os sinais chegam até você com intensidade variável e de fontes diversas: um comentário de um regulador da FDA, conversas com o conselho de administração, imprensa, da própria empresa em conversas que você escuta. A questão é: você consegue ouvir tudo e separar o sinal do ruído?”


Preso na bolha

Nenhuma escola de administração ensina a escutar, mas esta é uma habilidade essencial a todos os líderes que desejam neutralizar as múltiplas forças capazes de levá-los a acreditar que sabem tudo o que acontece na empresa. Na vida dos líderes seniores, especialmente os CEOs, reside um paradoxo: eles têm acesso a mais linhas de comunicação do que qualquer outra pessoa, mas a informação que lhes chega é suspeita e comprometida. Os sinais que exigem sua atenção são reprimidos. Os principais fatos lhes são omitidos. Os conjuntos de dados são apresentados de forma positiva. Às vezes, quando percebem isso, acordam no meio da noite perguntando-se: “Como vou descobrir o que preciso saber?”.

Dedicamos muito tempo pensando nessa questão. Adam conduziu entrevistas em profundidade com mais de 600 CEOs e outros líderes, nas quais os instou a compartilhar as lições mais importantes que aprenderam de como fazer bem seu trabalho. Kevin tem vasta experiência, não apenas como executivo sênior e CEO, mas como professor de estratégia e gestão da Harvard Business School e diretor em vários conselhos administrativos.

Escutar exige muito mais esforço do que a maioria dos líderes imagina. Dezenas de problemas surgem dentro das empresas, alguns com o potencial de paralisá-las se não forem controlados. Habilidades de escuta são imprescindíveis não apenas para evitar crises potenciais, mas também para garantir que boas ideias surjam em qualquer lugar. “Você não sabe de onde virão as melhores ideias”, diz Tim Brown, presidente da empresa de design IDEO, da qual foi CEO por 19 anos. “Empenhe-se em identificá-las e promovê-las, e não permita que o cargo das pessoas determine o poder de influência de suas ideias.”

Apesar disso, como resultado de seu excesso de confiança e de suas ideias ultrapassadas sobre liderança, os executivos costumam isolar-se em bolhas de informações. Eles acreditam, como Kevin no início da carreira, que estão um passo à frente de todos os demais. Alguns CEOs dizem a si mesmos que os membros de sua equipe de liderança são bem pagos para fazer seu trabalho, o que inclui resolver os problemas para que o chefe não precise fazê-lo. Em Lights out: pride, delusion, and the fall of General Electric (em tradução livre, Apagão: orgulho, delírio e a queda da General Electric), Thomas Gryta e Ted Mann descrevem a maneira de o ex-CEO da GE, Jeff Immelt, responder aos subordinados que punham em dúvida suas metas ambiciosas de crescimento: “Seu desejo não é forte o suficiente”, ele dizia. Isso deu origem ao fenômeno do “teatro de sucesso”. Os funcionários apresentavam os resultados para dar a impressão de que tudo ia bem e evitando conversas difíceis sobre os problemas.

Nell Minow, ex-diretora do fundo ativista Lens, observou o fenômeno com frequência nos anos 1990, quando sua empresa assumiu a liderança de cerca de duas dúzias delas, das quais a Sears, a Reader’s Digest e a Waste Management. “A única característica que procurávamos em todas as empresas de baixo desempenho com as quais trabalhávamos”, lembra ela, “era o CEO que se mantinha distante e isolado de qualquer tipo de ceticismo. Todas elas tiveram CEOs que tomaram diversas medidas para garantir que ninguém jamais os questionasse ou duvidasse deles.” Em outras palavras, eles viviam numa bolha que os impedia de escutar os outros.

Seis etapas úteis

Como sair dessa bolha? A seguir, dicas de sabedoria pragmática dos CEOs para aprender a escutar com eficácia:

Proteja-se contra pontos cegos. Kelly Grier, da Ernst & Young, da qual é presidente, nos Estados Unidos, dos sócios-gestores das Américas, há muito adquiriu o hábito de dizer às pessoas de sua equipe que precisam mantê-la informada: “Vocês têm a responsabilidade de me ajudar a superar os pontos cegos e de trazer a verdade à tona”. Segundo ela, este nível de confiança é necessário. “Se você não criou uma cultura ou um ambiente em que as pessoas se sintam à vontade para desafiá-lo como líder, você está em situação muito perigosa, porque terá pontos cegos.” Grier transmite sua mensagem de forma consistente não apenas a seus subordinados diretos, mas também a seu conselho de administração.

Retire a ênfase da hierarquia. Quando Mark Templeton foi presidente e CEO da Citrix, de 2001 a 2015, adotou um mantra para garantir que seus funcionários não fossem intimidados por cargos ou hierarquia. “Muitas empresas se perdem confundindo a hierarquia da pessoa com o respeito que merecem”, diz ele. “A hierarquia é um mal necessário na gestão da complexidade, mas não está, de forma alguma, relacionada com o respeito que você demonstra ao indivíduo. Eu disse isso várias vezes na Citrix e descobri que isso permitia que todos na empresa, independentemente do cargo, se sentissem à vontade para me enviar emails ou vir até mim a qualquer momento para discutir os problemas”.

Dê à sua equipe permissão de compartilhar as más notícias. Quando Penny Pritzker, que atuou como secretária de comércio dos EUA de 2013 a 2017, entrevistava candidatos a emprego, falava sem rodeios dos perigos de não compartilhar os problemas com ela. “Se você quer ser demitido, eis o que você precisa fazer: primeiro, mentir, trapacear ou roubar. Mas a outra coisa que o fará ser demitido é ter um problema e guardá-lo para você mesmo. Muitas vezes, as pessoas simplesmente não lhe dão todos os detalhes porque não querem dizer coisas que você não quer escutar. Isso me preocupa muito. Autorize-as a lhe dar as más notícias.”

Crie um sistema de alerta precoce. Como CEO da Aira Technologies, Anand Chandrasekher pede à sua equipe que siga uma regra simples: se você tem más notícias, informe por mensagem; se são boas, diga a mim pessoalmente. “É humano querer compartilhar apenas boas notícias”, diz ele. “Se você conseguir fazer com que equipes e empresas não tenham medo de más notícias, seja para recebê-las, seja para transmiti-las, construa um sistema de aviso antecipado. Se você recebe más notícias logo cedo, pode reagir rápido, e este tempo de reação é precioso.”

Para incentivar a resolução de problemas, valorizes as realizações de sua equipe. Quando Paul Kenward, diretorgestor da British Sugar, se reúne com grupos de funcionários, às vezes lhes pergunta o que realizaram nos cinco anos anteriores que lhes dá orgulho: “Eles respondem, e eu digo: agora imaginem que estamos juntos daqui a cinco anos. De que nos orgulharemos então? Que vocês gostariam de ter alcançado ou mudado na empresa?”. Segundo Kenward, essas perguntas deixam as pessoas à vontade para falarem com franqueza dos problemas atuais. “É uma abordagem simples, mas inteligente: primeiro pergunte às pessoas quais são as realizações que lhes dão orgulho. Se você não insistir que somos capazes de mudar as coisas, elas desistirão antes de começar. A maioria das empresas operou uma enormidade de mudanças. Tudo que você tem a fazer é ajudar suas equipes a perceber isso.”

Ouça sem julgamento ou agenda. Joel Peterson, ex-presidente da JetBlue Airways e fundador da Peterson Partners, empresa de investimentos, diz que, às vezes, é um desafio para os executivos seniores permanecer totalmente presentes nas reuniões quando têm dez coisas na cabeça ao mesmo tempo. Mas é preciso ter disciplina para atrair as pessoas, ele argumenta, e requer que você saiba ouvir para chegar ao grau necessário de entendimento e não fazer julgamentos. “Você não pode ter agenda própria enquanto escuta”, diz Peterson. “Neste caso, o que você faz é formular respostas em vez de processar o que diz o interlocutor. Fique atento. Há quem tenha necessidade premente de exibir-se ou de ser ouvido, e isso atrapalha o processo.” Os líderes podem evitar esse perigo lembrando-se de um acrônimo simples sempre que estiverem escutando: WAIT, isto é, “Why am I talking?” (ESPERE, “Por que estou falando?”, em tradução livre).

Buscar entrada ativamente. Não é suficiente apenas enfatizar que as pessoas devem expressar-se. Invista tempo e energia andando pelos corredores, viajando para visitar lojas e fábricas, promovendo reuniões abertas regulares e interagindo com pequenos grupos de vários departamentos e hierarquias (é desnecessário dizer que até o fim da pandemia a maioria dos contatos será virtual). Isso pode consumir muito tempo, mas é parte essencial do trabalho do líder. Se você ficar preso numa torre de marfim, a distância entre suas percepções e a realidade da empresa será muito maior, o que poderá diminuir o ímpeto e encaminhar os melhores talentos para a porta de saída.

Reuniões e sessões de perguntas e respostas com grandes grupos de funcionários são úteis para lembrá-los da estratégia da empresa e para esclarecer eventuais equívocos. Use essas sessões para captar sinais de problemas e oportunidades emergentes e adote formas eficazes de questionamento para incentivar os funcionários a dizer o que pensam.


Ecossistema de escuta

Crie um “ecossistema de escuta” para você mesmo, o que o ajudará a ser melhor ouvinte. Foi o que Kevin fez durante seus últimos anos na Amgen. Ele recebia um relatório trimestral de sua equipe sobre notícias relevantes dos concorrentes e fazia perguntas sobre o posicionamento da Amgen para enfrentar os desafios. Sua intenção era aprender com eles. Kevin ampliou sua rede de fontes dentro da empresa e colocou seu diretor de relações públicas em contato com seu principal regulador, a FDA. Em reuniões com esse executivo, desenvolveu um conjunto estruturado de perguntas, das quais: “Estamos cumprindo nossos compromissos?”; “Alguém na FDA tem opinião negativa sobre nós?”; “Qual é o próximo evento importante da FDA?”; “há mais alguma coisa que você queira me dizer?”. Kevin tinha reuniões regulares com o vice-presidente de compliance para garantir que a equipe de vendas da Amgen falasse com os médicos apenas sobre os efeitos clínicos dos medicamentos da empresa, não sobre os efeitos financeiros na renda dos médicos. Desenvolveu relacionamentos com gestores de fábrica e os visitava com frequência. Desenvolveu também o hábito de caminhar com seus representantes de vendas para inteirar-se de suas preocupações e dificuldades.

Em todo o seu trabalho de escuta, Kevin fazia questão de captar os sinais de oportunidade e de perigo. Por exemplo, depois da crise do Epogen, a empresa reiniciou seu crescimento em bases sólidas. Porém, sem o apoio da indústria biofarmacêutica as ações da empresa ficaram estagnadas, na verdade, seus líderes e seus grandes acionistas acreditavam que as ações estavam subvalorizadas.

Em uma longa conversa, um dos maiores investidores perguntou a Kevin por que tantas empresas do setor tinham tão poucas dívidas. Teria sido fácil para Kevin descartar a pergunta, porque o senso comum era que as empresas precisavam de um balanço patrimonial forte para enfrentar tempestades criadas pela expiração de patentes ou crises como a que Amgen acabara de enfrentar. Mas, em vez disso, Kevin escutou, e a escuta o levou a calcular, ainda que de modo impreciso, quanto custaria tomar dinheiro emprestado e usá-lo para recomprar uma parcela significativa daquelas ações. As taxas de juros estavam baixas, e ele concluiu que a empresa ainda teria fundos suficientes para os momentos de crise. “O sinal foi inesperado”, diz ele, “e precisei estar aberto e disposto a agir, mesmo correndo certo risco.”

E ele agiu. Fez a Amgen recomprar grande parte da empresa a US$ 60 por ação e, desde então, as ações subiram mais de quatro vezes. É evidente que recomprar ações não é panaceia; toda recompra drena as reservas de caixa para conseguir alguns saltos passageiros nas ações. Mas, neste caso, a recompra acabou por revelar-se como a medida certa na hora certa. Muitas outras empresas farmacêuticas seguiram o exemplo da Amgen.

Kevin deu outros passos para construir seu ecossistema de escuta. Ele pediu a Brian McNamee, seu diretor de recursos humanos na época, que conversasse regularmente com a equipe de liderança para saber o que seus integrantes pensavam de seu desempenho. Algumas das perguntas: “Que estou fazendo que você gostaria que eu continuasse a fazer?”; “Que coisas devo modificar significativamente ou parar de fazer?”; “Que coisas devo começar a fazer ou fazer muito mais?”; e “há mais alguma coisa que você queira me dizer?” Para encorajar a franqueza, McNamee sintetizava todas as respostas num relatório que enviava a Kevin, que, por sua vez, o passava ao conselho de administração para discussão (os amigos CEOs de Kevin achavam que ele era louco por fazer isso).

Além disso, a pesquisa anual distribuída a todos os funcionários da Amgen incluía a pergunta “Que acha do trabalho que Kevin vem fazendo?”. Isso gerou centenas de respostas, que ele lia à noite, geralmente com uma bebida ao alcance para ajudá-lo a aceitar feedbacks por vezes contundentes. Ele descobriu que havia funcionários que o consideravam líder distante. Foi então que ele começou a passar mais tempo fora de sua sala, conversando com colegas nos corredores e no refeitório e promovendo mais reuniões abertas. “Criar sistemas de escuta não é apenas aceitar passivamente o que vem no seu caminho”, diz ele. “Você deve criar estruturas para que as pessoas saibam que você quer ouvir o que elas têm a dizer.”

Isso significa provar às pessoas que você as escuta, e Kevin decidiu fazer isso. Depois de toda reunião ou discussão importante com o conselho de administração, por exemplo, ele resumia o que havia sido tratado, agradecia a opinião do conselho e definia as etapas que planejava seguir. Ele enviava o documento a todos os conselheiros como prova de que os escutara e os entendera e que tinha um claro plano de ação como resposta. Kevin considerava útil a prática em sua relação com o conselho. “Eles nunca poderão alegar que você não os escutou”, diz ele. “Isso lhe dá clareza nas próximas etapas e lhes permite esclarecer as próprias opiniões ou discordar de você.”

Kevin mudou seu modo de escuta, tentando estar muito mais presente e sintonizado com a linguagem corporal do que antes da crise do Epogen. “Eu desacelerei”, diz ele. “Arranjei tempo para escutar.” Como parte desse esforço, ele projetou seu escritório para parecer uma sala de estar e, nas reuniões individuais, sempre se sentava em uma cadeira longe de sua mesa. “Eu queria criar um ambiente em que meus subordinados diretos acreditassem que poderiam me dar más notícias sem ser punidos”, diz ele. “Trate seus subordinados diretos como parceiros, não como subalternos. Parceiros conversam sobre questões difíceis e chegam à melhor resposta colaborativa. Eu falava com eles periodicamente, bastando perguntar que estava acontecendo para iniciar as conversas. Eu não tinha pressa. Eu era conselheiro e coach, não juiz.”

TODA ESCUTA É multidimensional. Exige compromisso e atenção constante. Nenhum líder sobrevive nem prospera se não aprende esta lição fundamental. Mas mesmo quando escutam, precisam lembrar que não podem tomar os sinais que captam, bons ou ruins, pelo seu valor de face. Em vez disso, devem ouvir de forma tão atenta e sistemática que, aos poucos, desenvolvam uma percepção cheia de nuances da natureza, dinâmica e modo de operar da empresa.

Como diz Kevin: “Se você anda por aí, vê um monte de rostos sorridentes e diz a si mesmo que todo mundo parece feliz, você não está escutando”.

Fontes: Harvard Business Review Brasil
Gestão & Liderança Postado em terça-feira, 09 de março de 2021 às 10:17


Uma conversa com Bill Gates, cofundador da Microsoft e filantropo.

Com um patrimônio líquido de mais de US$ 100 bilhões, Bill Gates dedica tempo e dinheiro para tentar resolver alguns dos problemas mais incômodos de nosso tempo: HIV/AIDS, tuberculose, malária e covid-19. Ele também está focado nas mudanças climáticas e acaba de publicar o livro How to avoid a climate disaster. Nele, argumenta de forma convincente que o mundo precisa zerar as emissões de carbono até 2050. Ele deixa claro que atingir essa meta não será fácil, mas é possível, especialmente se encontrarmos maneiras de estimular a inovação verde. Gates conversou recentemente com o editor-chefe da HBR, Adi Ignatius, em seu escritório em Seattle. Segue uma versão editada da conversa.


HBR: Já existem muitos livros sobre a urgência do desafio climático. Por que você decidiu tratar desse assunto agora?

Gates: A geração millenial fez com que, mesmo em face da pandemia, prestássemos atenção às mudanças climáticas. Nas últimas eleições nos EUA, muitos candidatos fizeram do assunto uma prioridade. Portanto, temos um compromisso. Mas temos de fato um plano para chegar a emissões zero de carbono? Quero contribuir com minhas ideias mostrando o que é necessário para desenvolver os avanços de que precisamos para chegar lá.


O livro parece contrastar a terrível ameaça de mudanças climáticas com sua propensão ao otimismo. Qual é a principal mensagem que você gostaria de passar aos leitores?

É que chegar a emissões zero de carbono é mais difícil do que as pessoas imaginam. O mundo libera cerca de 51 bilhões de toneladas de carbono por ano. Quando as pessoas pensam em reduzir isso, elas tendem a se concentrar nas coisas fáceis: usar fontes renováveis para geração de eletricidade ou usar energia elétrica nos carros. Mas precisamos progredir em outras grandes áreas, como concreto e cimento de baixas emissões. E precisamos ter certeza de que as políticas públicas do governo, o comportamento corporativo e os hábitos de consumo pessoal estão contribuindo para as soluções.


Em que medida estamos no caminho certo para zerar as emissões até 2050?

Se você ignorar o efeito temporário de redução devido à pandemia e à crise econômica, não estamos no caminho certo. As emissões continuam aumentando. Para chegar a zero até 2050 precisaremos de quedas dramáticas em todas as categorias, ano após ano.



Você escreve que, mesmo se pudermos cortar as emissões de carbono pela metade, isso apenas adiaria — e não evitaria — uma catástrofe climática. Existe algum precedente para uma transição dessa magnitude?

Essa escala de mudança nunca aconteceu. Deverá ser a coisa mais incrível que a humanidade já fez. Fazer uma vacina para o coronavírus foi rápido, mas foi muito mais fácil. Foi realizado com base nos investimentos que a Gates Foundation e outras empresas fizeram na última década em abordagem de mRNA. Para o clima, é importante não gastarmos dinheiro apenas na redução, digamos, de 15% no uso de eletricidade. Precisamos investir nas inovações que realmente farão a diferença.


Se não conseguirmos chegar a zero, o que vai acontecer?

Bem, a temperatura vai continuar subindo. Ecossistemas naturais como os recifes de coral e o Ártico irão desaparecer. Se você possui terras de cultivo no Canadá, obterá safras melhores porque a temperatura vai aumentar. Mas se você possui terras no Texas ou no México, as coisas vão piorar. Não será mais possível cultivar o milho por lá. E para os agricultores de subsistência que vivem perto do equador — em partes da África, por exemplo — será desastroso. Eles não terão comida suficiente para sobreviver.


Você escreve que, em meados deste século, a mudança climática poderia causar cinco vezes mais mortes do que a Covid-19, com um efeito econômico muito mais devastador. A Covid foi um desastre em tempo real. No entanto, embora as mortes e a devastação tenham acontecido de forma escancarada, pode-se dizer que falhamos em nossa resposta. Então, como vamos responder aos efeitos mais abstratos e lentos das mudanças climáticas?

No caso da pandemia, se os EUA tivessem tomado as medidas que eu e outras pessoas sugerimos quando alertamos para o perigo, a situação teria sido parecida com a da Austrália ou do Japão, com um número muito modesto de mortes. Responder às mudanças climáticas é mais difícil porque a quantidade de inovações necessárias é muito maior e, como você disse, os efeitos negativos acontecem no futuro distante. No caso da pandemia, não se sabia em que ano ela aconteceria. Eu poderia ter passado a vida inteira sem que ela acontecesse. Com as mudanças climáticas, podemos garantir que os efeitos nocivos vão acontecer. Ainda há dúvidas: por exemplo, a temperatura vai subir quatro ou cinco graus? Mas o desastre é certo, a menos que reduzamos as emissões de forma dramática.


Há também o problema da negação das mudanças climáticas. Recentemente, dei uma palestra para investidores e os convidei a enviar perguntas, que foram colocadas em uma tela para que a multidão votasse naquela que mais lhes interessava. A pergunta mais popular foi “a mudança climática é real?” São pessoas bem-sucedidas e bem-educadas, com acesso a todo o conhecimento a que você tem acesso, mas que não estão acreditando nas mudanças climáticas. O que está acontecendo?

Felizmente, o negacionismo está diminuindo. Já não há mais empresas que, de forma egoísta, tentam criar mais incerteza. Mas temos dois problemas. Primeiro, ainda existem os negacionistas e temos que trazê-los para a causa — em parte minimizando o custo do que fazemos para evitar as mudanças climáticas. Em segundo lugar, temos que mostrar aos que acreditam o quanto o desafio é difícil. Não se trata apenas de executivos teimosos de petróleo e empresas de serviços públicos. E não podemos fazer um progresso significativo simplesmente desinvestindo ações aqui e ali e usando um pouco menos disso ou daquilo.


Quem é o principal público do seu livro? Pessoas que acreditam que a mudança climática é genuína, mas não entendem o que será necessário para realmente fazer a diferença?

Sim, é para as pessoas que pensam que será fácil. Ou quem pensa que só precisamos identificar o bicho-papão por trás do problema. O que realmente precisamos é de muita ciência. Precisamos aumentar os orçamentos de P&D para aproveitar o talento que temos nas universidades e laboratórios. E precisamos reforçar o financiamento disso tudo. A comunidade de capital de risco até agora teve uma experiência ruim com investimentos verdes. Precisamos aproveitar o capital de alto risco que é estruturado para a natureza de super-longo prazo dos produtos que serão necessários.


A negação do clima pode estar diminuindo, mas os esforços que você menciona exigirão um consenso que não existe no momento. Como você bem sabe, há uma forte corrente anti-ciência e anti-experts na sociedade que deve ser levada em consideração.

Acho que mais gente vai mudar de opinião ao ver os incêndios florestais e os furacões que resultam em parte das mudanças climáticas. Acho que os mais jovens já têm a mente mais aberta para os investimentos de longo prazo de que precisamos, porque estão pensando em que tipo de mundo irão viver. Mas também precisamos dizer que esse esforço não vai tirar dinheiro de outras coisas importantes que o governo financia.


Você cunhou o termo “prêmio verde” para se referir a quantia extra que precisamos pagar pelos produtos de carbono zero para substituir os produtos existentes. Se o prêmio verde for baixo, provavelmente adotaremos o substituto. Se for alto, precisaremos de mais P&D e investimentos.A principal métrica para chegar às emissões zero é até que ponto estamos reduzindo esses prêmios a um nível aceitável. Se rastrearmos as inovações que fazem com que eles caiam, teremos uma ideia se vamos chegar a zero ou não. Do contrário, precisaremos aumentar ainda mais os orçamentos de P&D para criar novos produtos. E assim que os mercados para esses produtos chegarem a uma certa escala, isso ajudará a impulsionar as coisas para o próximo nível.


E quanto ao elemento político? Nos EUA, um presidente dá ordens para proteger o meio ambiente, seguido por outro que dá ordens para desfazer as proteções. Se você não tem unidade de propósito, como vamos chegar lá?

Quanto mais você olha para a política, mais vê que a abordagem da força bruta de apenas continuar pagando esses prêmios verdes não é sustentável. A inovação é a única maneira de resolver isso. Sim, precisamos de boas políticas. Precisamos de um orçamento maior de P&D. E precisamos de um imposto sobre o carbono e outras medidas para reduzir a demanda de energia. Havia grandes benefícios fiscais para investir em painéis solares — uma política que sobreviveu aos governos democratas e republicanos. Esses incentivos ajudaram a diminuir a curva de aprendizado até o ponto em que a necessidade do subsídio quase acabou. Esse dinheiro agora pode ser aplicado nas próximas áreas, como armazenamento de baterias, combustível de aviação, aço e cimento. As políticas públicas são importantes, mas os investimentos de trilhões de dólares que os candidatos propuseram antes das eleições nos EUA em 2020 provavelmente não acontecerão. É um sacrifício muito grande gastar tanto dinheiro. Precisamos de um plano que custe dezenas de bilhões, não trilhões, e estimule a inovação.


Então, em última análise, é tudo uma questão de inovação?

Sem inovação, não acho que podemos evitar desastres climáticos. Se a ciência estivesse congelada e fosse necessário tomar todas as decisões certas por meio da política, isso não iria funcionar. Você não pode fazer a Índia, por exemplo, interromper suas emissões quando outros países não estão acompanhando. Não podemos resolver isso sem inovação. Com dezenas de bilhões em inovação, uma porcentagem modesta do orçamento, acredito que seria possível obter um consenso bipartidário para avançar nessa área, independentemente de qual partido esteja no poder.


Como você aumenta a oferta de inovação?

Temos alguns modelos. Na área médica, os EUA gastam cerca de US$ 40 bilhões por ano no National Institutes of Health. Isso levou a enormes avanços no tratamento do câncer e em outras áreas, e muitas empresas sediadas nos EUA fabricam produtos derivados da pesquisa. Acho que agora há alguma chance de apoio bipartidário no congresso para mais pesquisas relacionadas ao clima. A próxima etapa é obter capital de risco. Ajudei a criar a Breakthrough Energy Ventures, um fundo liderado por investidores que busca universidades e laboratórios nacionais para descobrir quais projetos estão prontos para desenvolvimento. É de prazo mais longo e é mais paciente do que os produtos típicos de empreendimento, o que ajudará a acelerar a transição do laboratório ao mercado.


Você falou ao longo dos anos sobre como a energia nuclear é crítica para criar um futuro sem carbono. Seu livro apresenta esse argumento com moderação. É porque você duvida da vontade, especialmente nos EUA, de levar a energia nuclear a sério?

Há problemas na energia elétrica e na natureza intermitente de fontes limpas como a eólica e a solar. Uma forma de lidar com isso seria conseguir um milagre de armazenamento, com baterias 20 vezes melhores do que as que temos hoje. Infelizmente, há uma boa chance de não conseguirmos isso. Uma alternativa seria contar com a fusão nuclear, embora ela tenha um grande problema de aceitação social em termos de segurança, e os reatores foram superfaturados e construídos de forma pouco econômica. Mas a energia deve vir de algum lugar. E sim, eu não queria que o livro parecesse uma promoção da TerraPower [uma empresa de design de reatores nucleares que Gates fundou e preside]. Claro, todo dinheiro que eu ganhar com isso irá para a Fundação Gates. Eu queria que o livro apresentasse os diferentes caminhos para uma energia mais limpa de forma neutra.


Existe um ponto sem volta para as mudanças climáticas?

Não há um momento em que o mundo de repente pega fogo e desaparece. É uma questão de quantas pessoas morrerão e quantos ecossistemas desaparecerão. Em algum momento, a Amazônia vai secar e se tornar uma savana. Eventualmente, você não terá gelo ártico, ursos polares ou recifes de coral. Você não vai fazer plantações. As pessoas que falam sobre as mudanças climáticas costumam dizer que há um ponto mágico de ruptura, mas não sabemos isso de fato. Apenas sabemos que, se você ignorar as mudanças climáticas, essas tragédias ambientais e humanas eventualmente acontecerão. Um fato triste é que existem atrasos neste sistema de tal forma que, mesmo quando você zera as emissões, as temperaturas não esfriam por cerca de duas décadas. Portanto, provavelmente não estarei vivo em um ano mais frio do que o anterior.


Como você garante que este seja um esforço verdadeiramente global?

O problema é que ainda que governos dos países ricos concordem com ele, precisamos torná-lo atraente para os países menos ricos seguirem o mesmo caminho. As pessoas nos países em desenvolvimento merecem ter mais abrigo, mais eletricidade e a capacidade de se locomover. Lugares como a Índia ainda precisam de mais desses serviços de emissões intensivas para criar um estilo de vida decente para a população. Portanto, cabe aos países ricos, principalmente os EUA, que têm tanto poder de inovação, investir e criar abordagens que nos levem ao zero.


O que as empresas podem fazer para fazer a diferença?

Os empregadores têm muito poder de compra. Eles podem comprar combustível de aviação limpo para suas frotas aéreas privadas. Podem investir capital em empresas inovadoras de alto risco. E podem garantir que não estejam impedindo o progresso.


E quanto aos grandes investidores institucionais? Se eles se afastarem do carbono, isso não ajudaria?

De modo algum. Tirar capital dos combustíveis fósseis pode ser um bom assunto para uma conversa de festas de coquetel. Mas alguém vai parar de usar cimento porque um cara de Wall Street está desinvestindo? Qual é a teoria? Não há conexão. Agora, se as grandes empresas investirem em vez de desinvestir, se financiarem inovações de alto risco relacionadas ao prêmio verde, então elas passam a fazer parte do ganho.


E o que você espera do governo?

Nas democracias, precisamos que os cidadãos se interessem pelas ideias verdes e as promovam para que os políticos sintam que têm um mandato para trabalhar nessas áreas. Sem o governo criando demanda por novos produtos, permitindo que o aço seja certificado de uma nova forma que usa menos carbono, por exemplo, não chegaremos a emissões zero em 30 anos.


O que as pessoas podem fazer para ajudar?

Elas podem comprar produtos limpos como o Impossible Burger ou carros elétricos. Podem tentar usar menos materiais. Podem mudar o consumo de forma que produtos limpos possam ganhar escala e seus custos diminuam. E podem eleger políticos dispostos a financiar a P&D e criar as políticas de que precisamos. Se eu tivesse um desejo para os EUA, faria com que o investimento de bilhões em inovação fosse uma prioridade bipartidária. Precisamos de pessoas que defendam isso.

Fonte: Harvard Business Review Brasil