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Estratégia & Marketing Postado em segunda-feira, 29 de maio de 2017 às 13:24
A era do computador na verdade só começou quando os equipamentos se fundiram com o telefone. Isoladamente, os computadores eram inadequados. Todas as duradouras consequências da computação só começaram no início dos anos 1980, naquele momento em que, combinados, o computador e o telefone se entrelaçaram para formar um híbrido robusto.

Nas três décadas seguintes, essa convergência tecnológica entre informática e comunicação difundiu-se, acelerou, floresceu e evoluiu. O sistema internet/web/mobile saiu das margens da sociedade (em 1981, era praticamente ignorado) para ocupar o centro do palco da vida moderna. Nos últimos 30 anos, a economia social baseada nessa tecnologia teve seus altos e baixos e viu seus heróis surgirem e desaparecerem, mas já está bem claro que a evolução foi orientada por algumas amplas tendências.

Essas tendências históricas de grande escala são cruciais. As condições básicas que lhes deram origem ainda estão ativas e em evolução, o que sugere que continuarão a se intensificar e a se expandir. Nada indica que vão perder o vigor. Até forças que, como seria de esperar, poderiam solapar tais tendências – como a criminalidade, a guerra ou nossos próprios excessos – também estão a reboque delas. Em Inevitável, Kevin Kelly descreve doze forças tecnológicas inevitáveis ​​que prometem moldar nosso mundo nos próximos 30 anos.

“Inevitável” é um termo forte, diz o autor. Algumas pessoas desaprovam seu uso, argumentando que nada é inevitável. Sua alegação é a de que a força de vontade e o senso de propósito do ser humano podem – e devem! – rechaçar, dominar e controlar qualquer tendência mecanicista. Na opinião delas, a “inevitabilidade” não passa de uma desculpa à qual nos rendemos de boa vontade. Quando a noção do inevitável é vinculada a uma tecnologia sofisticada, as objeções a um destino predeterminado são ainda mais ferozes e passionais. Uma definição de “inevitável” é o resultado final do clássico experimento mental da rebobinagem. Se pudéssemos rebobinar a fita da história até o início dos tempos e reprisar a trajetória de nossa civilização repetidas vezes, uma versão robusta da inevitabilidade diria que, independentemente de quantas vezes a aventura humana fosse reproduzida, acabaríamos sempre com adolescentes tuitando a cada cinco minutos na atualidade. Entretanto, não é isso que quero dizer quando me refiro a “inevitabilidade”.

Kelly usa a palavra “inevitável” com um sentido diferente. A natureza da tecnologia tem um viés que a orienta para determinadas direções. Se todos os outros fatores permanecerem inalterados, as leis da física e da matemática, que regem a dinâmica da tecnologia, tenderão a favorecer certos comportamentos. Essas tendências se fazem presentes sobretudo nas forças coletivas que estabelecem os contornos gerais das formas tecnológicas e não casos específicos. Por exemplo, o formato da internet – uma rede de redes englobando o planeta inteiro – era inevitável; o tipo específico de internet pelo qual optamos, não. A internet poderia ter sido essencialmente comercial, em vez de sem fins lucrativos; configurar-se como um sistema nacional, em vez de internacional. Ou, ainda, poderia ter se mantido fechada, secreta, em vez de pública. A telefonia – mensagens de voz convertidas em energia elétrica e transmitidas em longa distância – era inevitável; o iPhone, não. O formato genérico de um veículo de quatro rodas era inevitável, mas não as caminhonetes. As mensagens instantâneas eram inevitáveis; tuitar a cada cinco minutos, não.

Tuitar a cada cinco minutos não era inevitável também em outro sentido. Estamos nos transformando com tamanha rapidez, que nossa capacidade de inventar coisas é maior do que a velocidade com que conseguimos “civilizá-las”. Atualmente, levamos uma década após o surgimento de uma tecnologia para chegar a um consenso social a respeito das implicações dela, estabelecendo quais normas de comportamento são necessárias para domá-la. Daqui a cinco anos, vamos criar regras de etiqueta para os tuítes, assim como descobrimos o que fazer para evitar a algazarra dos celulares tocando por toda parte (usar o modo silencioso/vibração). Seja qual for o caso, a consequência inicial da tecnologia desaparece rapidamente conforme a “civilizamos” e então vemos que ela nunca foi essencial nem inevitável.

O tipo de inevitabilidade Kevin se refere, no âmbito do mundo digital, é o resultado de uma dinâmica – a dinâmica de uma mudança tecnológica constante. As fortes marés que moldaram as tecnologias digitais nos últimos 30 anos vão continuar a se expandir e a se fortalecer nos próximos 30. Esse princípio vale não só para a América do Norte, mas para o mundo todo. Ao longo do livro, Kelly usa exemplos dos Estados Unidos, porém, para cada um deles, poderia facilmente ter encontrado um caso parecido na Índia, em Mali, no Peru ou na Estônia. Os verdadeiros líderes do campo do dinheiro digital, por exemplo, estão na África e no Afeganistão, onde o e-money, não raro, é a única moeda corrente. A China está muito à frente de todos os outros países no desenvolvimento de aplicativos de compartilhamento no celular. Culturas locais podem até promover ou retardar as expressões da tecnologia, mas as forças básicas são universais.

Depois de viver online nas últimas três décadas – primeiro, como pioneiro em um território relativamente selvagem e desabitado; mais tarde, como desenvolvedor que construiu partes desse novo continente –, minha confiança na inevitabilidade baseia-se na profundidade dessas mudanças tecnológicas. O esplendor diário das novidades da alta tecnologia navega em correntezas lentas. As raízes do mundo digital estão ancoradas nas necessidades físicas e nas tendências naturais de bits, informações e redes. Não importa em qual localização geográfica, não importam quais empresas, não importam quais políticas, esses ingredientes fundamentais de bits e redes levarão a resultados semelhantes, vez após vez. Tal inevitabilidade resulta de sua física básica. Neste livro, busca-se expor essas raízes da tecnologia digital, porque é delas que se erguerão as tendências mais duradouras dos próximos 30 anos.

Nem todas as mudanças serão bem-vindas. Setores consolidados cairão por terra a partir da perda de eficácia de seus obsoletos modelos de negócio. Categorias profissionais inteiras vão desaparecer, bem como o ganha-pão de algumas pessoas. Novas ocupações nascerão, devendo prosperar de maneira desigual, o que semeará inveja e desigualdade. A continuidade e a extensão das tendências esboçadas em Inevitável contestarão os pressupostos legais vigentes e farão incursões nos limites da ilegalidade, criando um obstáculo para os cidadãos cumpridores da lei. Por sua própria natureza, a tecnologia de rede digital desestabiliza as fronteiras internacionais pelo simples fato de desconhecer quaisquer fronteiras. Os maravilhosos benefícios serão acompanhados de dor, conflito e confusão.

Confrontados com as transformações radicais impostas pelo avanço da tecnologia no âmbito digital, nossa primeira reação pode ser tentar barrar o progresso – impedi-lo, proibi-lo, negá-lo ou, pelo menos, dificultar que ele seja usufruído pelas pessoas. (A título de exemplo, quando a internet facilitou a cópia de músicas e filmes, Hollywood e a indústria fonográfica fizeram de tudo para impedir. Em vão. A única coisa que conseguiram foi transformar os clientes em inimigos.) Tentar conter o inevitável, em geral, acaba sendo um tiro pela culatra. Na melhor das hipóteses, a proibição é temporária e, em longo prazo, contraproducente.

Uma adoção criteriosa, executada com os olhos bem abertos, costuma ser mais eficaz. No livro, a intenção é revelar as raízes da mudança digital para que a recebamos de braços abertos. Uma vez que essas raízes se revelem a nossos olhos, poderemos trabalhar com base no entendimento de sua natureza, em vez de lutar contra elas. As cópias em massa chegaram para ficar. O monitoramento em massa e a vigilância total chegaram para ficar. O conceito de propriedade está se esvaindo. A realidade virtual vem se tornando real. Não temos como impedir que a inteligência artificial e os robôs se desenvolvam, criem oportunidades de negócio e tomem nossos empregos atuais. Pode não ser nossa reação inicial, mas deveríamos acolher de bom grado a remixagem perpétua dessas tecnologias. Trabalhar com elas, em vez de tentar combatê-las, é o caminho para que possamos nos beneficiar do melhor que têm a oferecer. Não proponho aqui uma atitude passiva. Temos de administrar as novas invenções para impedir danos reais (e não apenas hipotéticos), valendo-nos de recursos tanto legais como tecnológicos. Precisamos civilizar e domar as novas invenções em suas especificidades. No entanto, só podemos fazer isso por meio de um envolvimento profundo, de uma experiência prática e de uma aceitação vigilante. Podemos e devemos regulamentar os serviços de táxi ao estilo do Uber, por exemplo, mas não podemos nem devemos tentar banir a inevitável descentralização dos serviços. Essas tecnologias não vão desaparecer.

A mudança é inevitável. Hoje sabemos que tudo é mutável e tudo evolui, apesar de grande parte dessa mudança ser imperceptível. As montanhas mais altas estão aos poucos se desgastando sob nossos pés, enquanto todas as espécies animais e vegetais do planeta evoluem para algo diferente em câmera ultralenta. Até o Sol, sempre brilhando no céu, vem se apagando de acordo com um cronograma astronômico (mas, quando isso acontecer, nós já não estaremos na face da Terra há um bom tempo). A cultura humana, bem como nossos fatores biológicos, faz parte dessa transformação imperceptível em direção a algo novo.

Hoje, no cerne de toda grande e importante mudança em nossa vida, encontra-se uma tecnologia de algum tipo. A tecnologia é o acelerador da humanidade. Por causa dela, tudo o que fazemos está sempre em processo de transformação. Cada tipo de coisa está se tornando algo diferente, percorrendo o caminho entre o “poderia ser” e o “é”, ou seja, entre a possibilidade e o fato. Tudo está em fluxo. Nada está concluído. Nada está feito. Essa mudança sem fim constitui o eixo central do mundo moderno.

Esse fluxo constante não implica simplesmente que “as coisas serão diferentes”, e sim que os processos – os impulsionadores do fluxo – são hoje mais importantes do que os produtos. Nossa maior invenção nos últimos 200 anos não foi um dispositivo ou uma ferramenta em particular, mas a criação do próprio processo científico. Uma vez que inventamos a metodologia para a ciência, pudemos começar imediatamente a criar milhares de outras coisas incríveis que jamais teríamos descoberto de outro modo. Esse processo metódico de constante mudança e melhoria revelou-se um milhão de vezes mais transformador do que a invenção de qualquer produto específico: desde sua criação, ao longo dos séculos, gerou milhões de produtos. Basta calibrar o processo contínuo para ele permanecer gerando benefícios constantes. Nesta nossa nova era, o processo é mais relevante do que os produtos.

Esse novo olhar para os processos também significa que a mudança incessante é o destino de tudo o que fazemos. Estamos nos distanciando do mundo dos substantivos fixos na mesma medida em que nos avizinhamos do mundo dos verbos fluidos. Nos próximos 30 anos, vamos continuar a pegar objetos sólidos – um carro, um par de sapatos – e transformá-los em verbos intangíveis: os produtos se converterão em serviços e processos. Vitaminado por altas doses de tecnologia, um automóvel se torna um serviço de transporte, uma sequência sempre atualizada de bens físicos que se adapta com rapidez ao uso do cliente, ao feedback, à concorrência, às inovações e ao desgaste. Você pode ter um carro autônomo, sem motorista, ou dirigir o próprio veículo, mas, de qualquer maneira, esse serviço de transporte inclui flexibilidade, personalização, upgrades, conexões e novos benefícios. Um par de sapatos também deixa de ser um produto acabado e passa a ser um processo sem fim, que envolve reimaginar essa extensão dos pés, talvez com coberturas descartáveis, sandálias que se transformam à medida que você anda, solas mutáveis ou dispositivos que interagem com os pisos. “Sapatar” torna-se um serviço, uma ação, um verbo, no lugar do substantivo “sapato”. No mundo digital intangível, nada é estático ou fixo. Tudo está em processo de vir a ser.

Todas as rupturas da modernidade dependem dessa mudança inexorável. Kelly estudou a miríade de forças tecnológicas que emergem no presente momento e classificou as mudanças em 12 verbos, como acessar, monitorar e compartilhar, transmitindo a ideia de ação – mais especificamente, de ação em andamento. Essas forças são ações aceleradoras.

Cada uma das 12 ações contínuas constitui uma tendência em curso, que tem tudo para se manter por pelo menos mais três décadas. Considero tais metatendências “inevitáveis” por terem raízes na natureza da tecnologia e não na da sociedade. O caráter dos verbos segue um viés que todas as novas tecnologias têm em comum. Apesar de nós, os criadores, termos muito poder de escolha e responsabilidade pelo direcionamento das tecnologias, estas também envolvem muitos fatores que estão fora de nosso controle. Processos tecnológicos específicos favorecerão inerentemente determinados resultados. Por exemplo, processos industriais (como motores a vapor, fábricas de produtos químicos, barragens) favorecem pressões e temperaturas fora da zona de conforto do ser humano. Processos digitais (computadores, internet, apps) favorecem a duplicação ubíqua e barata. A tendência à alta pressão/alta temperatura, no caso dos processos industriais, afasta os locais de manufatura do ser humano e os configura como unidades centralizadas e de grande escala, não importando a cultura, o perfil ou a política. O viés na direção de cópias ubíquas e baratas nos processos digitais independe da nacionalidade, da conjuntura econômica ou do desejo humano e orienta a tecnologia na direção da ubiquidade social. Em outras palavras, esse viés está incorporado à natureza dos bits digitais. Nesses dois exemplos, poderemos nos beneficiar ao máximo das tecnologias se formos capazes de “ouvir” o direcionamento natural delas, flexibilizando nossas expectativas, regras e produtos conforme as tendências fundamentais que nos forem apresentadas. Teremos mais facilidade de gerenciar as complexidades, otimizar os benefícios e reduzir os danos de tecnologias específicas quando alinharmos nossos usos às tendências de sua trajetória. O objetivo deste livro é reunir as tendências que hoje se refletem nas mais recentes tecnologias e projetar as trajetórias que se estendem diante de nós, em direção ao futuro.

Esses verbos organizadores representam as metamudanças de nossa cultura no futuro imediato previsível. Trata-se de amplas tendências que já atuam no mundo de hoje. Não tenho a pretensão de prever quais produtos continuarão em uso no próximo ano ou na próxima década, muito menos dizer quais empresas vão triunfar. Essas especificidades são definidas por caprichos, moda ou comércio, revelando-se totalmente imprevisíveis. Por sua vez, as tendências gerais relativas a produtos e serviços daqui a 30 anos podem ser vislumbradas desde agora. Suas formas básicas estão enraizadas nos direcionamentos das tecnologias atualmente emergentes que estão a caminho da ubiquidade. Esse amplo e veloz sistema afeta a cultura de maneira sutil, porém constante, de modo a amplificar as seguintes forças: tornar-se, cognificar, fluir, visualizar, acessar, compartilhar, filtrar, remixar, interagir, rastrear, questionar e começar.

Embora Kevin tenha dedicado um capítulo a cada uma dessas forças, elas não são verbos distintos atuando de maneira independente. Ao contrário, estão sobrepostas, cada uma dependendo das demais e todas se acelerando mutuamente. Chega a ser difícil falar de uma sem fazer referência às outras. A força do compartilhar intensifica a (na mesma medida em que depende da) força do fluir. O neologismo “cognificar” [codificação cognitiva] implica rastrear. Visualizar telas é inseparável de interagir digitalmente. Os verbos em si são remixados e todas essas ações constituem variantes do processo de tornar-se. Juntas, formam um campo unificado de movimento.

Essas forças são trajetórias, não destinos. Elas não nos dão maneiras de prever onde vamos acabar. Só informam que, no futuro próximo, inevitavelmente seguiremos essas direções.

Fonte: Revista HSM