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Gestão & Liderança Postado em terça-feira, 19 de dezembro de 2017 às 15:06
Em 2015, o EY Beacon Institute desenvolveu uma pesquisa global em parceria com a Harvard Business Review Analytic Services para compreender como o conceito de propósito está envolvido na estratégia e no dia a dia das organizações. Esta pesquisa, feita com cerca de 500 executivos, concluiu que mais de 80% dos entrevistados acreditam que uma organização com um propósito claro e conhecido pelos seus stakeholders terá mais sucesso na satisfação dos colaboradores e na fidelização dos clientes.

Ao mesmo tempo, as empresas reconhecidas como possuidoras de um propósito claramente articulado e compreendido parecem apresentar maior propensão para crescer. Segundo a mesma pesquisa, 58% dessas empresas tiveram crescimento igual ou superior a 10% nos três anos anteriores ao estudo.

Complementando o estudo EY-HBR, outra pesquisa feita por Raj Sisodia para a segunda edição do livro Firms of Endearment, revela como empresas orientadas por propósito tiveram resultado dez vezes superior do que o S&P 500 entre 1996 e 2011.

Apesar dos benefícios reconhecidos por colocar propósito no centro do negócio, apenas 46% das empresas entrevistadas afirmaram ter hoje um propósito claro e conhecido.

Do velho propósito ao novo propósito

O propósito de uma empresa é a razão de sua existência. Apesar de parecer um tema óbvio, a maior parte das organizações tem dificuldade em compreender e comunicar essa razão. Tradicionalmente, as empresas se definem junto aos seus públicos pelo seu portfólio de produtos e/ou serviços, pelos seus ativos (exemplo marca) ou por competências construídas ao longo do tempo. Dificilmente encontramos uma empresa que se defina pela sua razão de ser.

Desde os anos 70 uma verdade única ganhou peso no mundo corporativo ocidental e se mantém ainda inquestionável na maior parte dos contextos: a empresa existe para maximizar o retorno dos seus acionistas. Com a institucionalização desse paradigma, cada vez mais empresas colocaram reflexões existenciais em segundo plano na discussão estratégica.

Michael Jensen e William Meckling tiveram um papel central na consolidação dessa verdade. Os dois abordaram a relação entre gestores e acionistas, bem como os custos gerados por divergências ou desalinhamentos entre controle gerencial e propriedade do capital. Eles concluem que os executivos estão a serviço dos acionistas e a sua função deve se restringir à maximização do retorno sobre o capital investido. Neste enquadramento conceitual, o gestor não deverá pensar além do retorno financeiro de curto prazo e o acionista ficará limitado a controlar o nível de retorno que os gestores são capazes de atingir. A empresa passa a ser olhada como um arranjo de contratos, com uma razão de ser puramente financeira.

Se o enquadramento conceitual de Jensen e Meckling tivesse sido a corrente dominante na história do capitalismo ocidental, muitas das empresas que mudaram o mundo não teriam sequer existido. Henry Ford persistiu mais de 20 anos em busca do que a Ford Times (publicação mensal da Ford Motor Company) descreveu em 1915 como a “renovação da vida social do país” possibilitada pelo acesso do Modelo T a milhões de americanos. Para Ford, não se tratava de maximização de resultado, de entrega de valor para o acionista ou de um produto especial. Tratava-se de uma ideia maior, orientada para revolucionar a maneira como as pessoas viviam nas cidades e no campo, possibilitando o acesso a um novo padrão de vida na América. Esse foi o propósito que levou Henry Ford a entrar na história e a criar uma das mais importantes corporações do século 20.

No século 21, empresas como Facebook, Amazon, Toms ou Whole Foods, adoradas pelos clientes e respeitadas por diferentes públicos, fundaram seus negócios sobre propósitos claros e reconhecidos. São empresas que ficam na mente do consumidor por quebrarem o status quo, trazerem novas propostas de valor para mercados já estabelecidos, ou até criarem mercados que não tinham sido pensados ou estruturados.

Contudo não é suficiente ter um propósito. O grande diferencial das empresas que combinam sucesso e propósito está na forma como conseguem manter o propósito ativo na organização e como conseguem “fazer acontecer” esse propósito no seu ecossistema de forma consistente.

O propósito que mora ao lado

Também no Brasil há empresas nacionais de sucesso, admiradas pelos seus stakeholders, com um propósito bem definido e uma gestão voltada para esse propósito.

A farmacêutica brasileira Libbs, fundada em 1958, e recentemente eleita pelo anuário Época Negócios 360º como uma das dez melhores empresas do Brasil, é um exemplo de empresa de sucesso que mantém um foco na gestão por propósito. Alcebíades de Mendonça Athayde “nunca geriu o seu negócio como um banqueiro”, como seus próprios filhos e atuais gestores afirmam no livro que conta a história da empresa (“Porque se trata da vida”, Dario Palhares e Joaquim Margraf, Editora Libbs, 2015).

A visão de longo prazo para alcançar algo maior e contribuir com um legado para a sociedade brasileira foi o que sempre dominou a orientação do empreendedor. Athayde compreendeu que a prosperidade do negócio estava intimamente ligada à sua capacidade de entender o mercado de forma diferente. Ele acreditava num propósito partilhado entre a Libbs e seus clientes; médicos e Libbs, ambos desejam que os seus pacientes fiquem curados e maximizem seu bem-estar. A partir dessa simbiose entre médicos e Libbs, fica claro que o propósito da empresa vai muito além de maximizar retorno para seus acionistas. O propósito da Libbs é “ajudar as pessoas a alcançar uma vida plena”, por meio de seus produtos e em total harmonia com os clientes (médicos).

Apesar de o propósito estar no centro da identidade, modelo de negócio e história da Libbs, seu valor passou a ser evidente e monitorado somente a partir de 2010. A empresa fez um exercício profundo de divulgação e reflexão estratégica em torno desse conceito e as consequências começaram a ser acompanhadas e monitoradas. Hoje, o Propósito Libbs está mais visível na forma como a empresa vai ao mercado, e seus executivos e colaboradores atribuem ao propósito a responsabilidade pelo crescimento diferenciado nos últimos sete anos. Na opinião do atual CEO, Alcebíades de Mendonça Athayde Júnior, o crescimento ocorreu graças à unidade que se estabeleceu em torno do propósito — “quando o propósito é claro, inequívoco e as pessoas veem valor nele, passam a trabalhar por ele e o ambiente de colaboração se estabelece naturalmente”.


A força comercial da Libbs materializa a simbiose com os médicos, trabalhando em conjunto com esses profissionais para resolver as necessidades terapêuticas dos pacientes. A partir dos casos clínicos que o médico vivencia, os profissionais da Libbs discutem resultados de prescrições com os médicos, propõem novas soluções e monitoram resultados de novas terapias. Uma recente iniciativa da Libbs, denominada #Propósitonaprática, convida os profissionais da área comercial a partilharem momentos de sua rotina em que a presença do Propósito Libbs surge espontaneamente. Um exemplo é o caso clínico de um paciente com depressão e fibromialgia, doenças para as quais os antidepressivos prescritos não estavam trazendo resultado. De posse dessa informação, o representante da Libbs apresentou uma proposta alternativa de tratamento que o médico aceitou testar durante algumas semanas. O teste foi um sucesso, o paciente teve um impacto positivo na sua qualidade de vida e o profissional da Libbs continuou acompanhando o paciente para garantir total compatibilidade do produto ao caso.O trabalho desses profissionais da Libbs é de colaboração e investigação permanentes com os médicos. Esse “jeito de fazer” da área comercial da Libbs é um dos pontos geradores de vantagem competitiva para a empresa e talvez o que mais tenha alavancado seu crescimento e a confiança dos médicos.

Além da diferenciação na abordagem do mercado, a Libbs tem uma originalidade apurada na ativação do seu propósito. A força comercial, principal embaixadora do Propósito Libbs, é exposta ao que a empresa chama de salas vivenciais. Essas salas são espaços criados durante as principais convenções de vendas, onde é possível vivenciar os sintomas das patologias que mais afetam os pacientes usuários de produtos Libbs. Numa das últimas convenções de vendas, a sala vivencial enxaqueca permitiu ao pessoal da área comercial da Libbs uma experiência sensorial desse estado patológico através de som, cheiro e luz. Esse modelo de ativação de propósito, repetido para inúmeras patologias, leva a empresa a compreender a sua razão de ser e fortalecer seu foco de contribuir para uma “vida plena”.

Manter a coerência em torno desse propósito exige também decisões difíceis. Em 2014, o CEO entendeu que existiam profissionais na empresa com bons resultados, mas incapazes de absorver e trazer esse propósito para a ação. Apesar de dedicados à sua rotina, não eram bons embaixadores da empresa e do seu propósito. Mesmo sabendo que a decisão poderia ter impacto negativo em indicadores de curto prazo, essas pessoas foram convidadas a sair da organização.

Os resultados dessa gestão voltada ao propósito são visíveis em alguns indicadores que diferenciam a Libbs no seu mercado. Em 2016, a empresa se destacou no Brasil ao atingir o terceiro lugar na categoria de empresas com número de colaboradores entre 1.501 e 3.000, no prêmio As Melhores em Gestão de Pessoas, promovido pela publicação Valor Carreira. A pesquisa de clima da Libbs, realizada também em 2016, demonstrou o índice de 92% de favorabilidade, enquanto o valor médio desse índice nas demais empresas finalistas se situava em 77%. Alguns dados adicionais dessa pesquisa de clima trazem boas referências sobre a conexão dos colaboradores com o propósito da organização. Mais de 90% sentem orgulho em fazer parte dela: afirmam que a Libbs é social e ambientalmente responsável e, sempre que têm oportunidade, contam para outras pessoas os aspectos positivos de trabalhar na empresa. Mais de 85% dos colaboradores acreditam que a Libbs os inspira a dar o melhor de si todos os dias e os motiva a contribuir além do que é esperado na execução de seu trabalho.

Os resultados alcançados em 2016 não são uma coincidência. Desde 2010 a empresa é anualmente reconhecida através de vários prêmios a ela concedidos, quer por entidades da indústria como o Sindusfarma, quer por publicações como Época Negócios e Valor Econômico. É nesse contexto que a empresa tem vivenciado crescimento acelerado, mesmo em tempos de crise. Com crescimento de 15% entre 2015 e 2016, já ultrapassou a meta histórica de R$ 1,5 bilhão de faturamento. Seus executivos acreditam que o foco no propósito, principalmente num ambiente volátil como o de hoje, deve continuar a ser o aspecto central da estratégia da Libbs.

Outro exemplo interessante de empresa que se formou e cresceu em torno do seu propósito é a Korin, marca brasileira conhecida pelo frango orgânico. Criada pela Igreja Messiânica do Brasil, surgiu com o objetivo de materializar um propósito — “melhorar a qualidade de vida das pessoas por meio de uma alimentação totalmente natural”. Esse propósito representa um dos pilares da filosofia de Mokiti Okada, fundador da Igreja Messiânica Mundial (Japão).

A Igreja acredita que a construção do “paraíso terrestre: um mundo isento de miséria, doença e conflito” depende de três pilares filosóficos: a busca pelo altruísmo (fazer outras pessoas felizes), a admiração do belo (valorizar a estética à nossa volta) e a alimentação saudável. Este último pilar trouxe a vontade de criar a Korin no Brasil, contribuindo para que o maior número possível de pessoas tivesse acesso a alimentos orgânicos de elevada qualidade, gerando mais saúde para todos.



Fundada em 1994, a empresa trouxe a proposta de produzir e comercializar alimentos que promovessem a saúde e o bem-estar do consumidor, assim como a prosperidade do produtor. A Korin sabia que trazer o propósito para a prática era também insistir na sustentabilidade social, ambiental e econômica de toda a cadeia. A empresa acredita, desde sua origem, que seu papel se estende para incentivar as indústrias a minimizar o impacto ambiental do processamento de alimentos, estimular o varejo a abraçar lógicas de fair trade que tornem os produtos naturais e orgânicos acessíveis e ajudar os consumidores a se tornarem mais conscientes das suas escolhas, incentivando-os a priorizar um sistema agroalimentar que proporcione a continuidade do planeta a serviço da humanidade. Apesar de esse sistema agroalimentar não permitir diminuir os custos de produção, nem levar produtos mais baratos aos consumidores, a Korin acredita que os sistemas tradicionais de produção não estão hoje incorporando os custos mais pesados associados aos impactos ambientais.Pelo seu foco no propósito, a Korin produz alimentos livres de qualquer tipo de agrotóxico e adubo químico, preservando a saúde das pessoas, do solo e da natureza. O portfólio de produtos varia de frutas, legumes e verduras orgânicas certificadas a ovos orgânicos e sustentáveis. O produto mais popular, o frango orgânico, evidencia a complexidade desse sistema produtivo. As aves são criadas livres de qualquer tipo de antibiótico. São alimentadas com ração 100% vegetal, milho e soja com certificação orgânica e vivem em menor densidade por metro quadrado, com livre acesso a áreas de piquete ao ar livre. Por ser pioneira na produção de frango AF (antibiotic free), a Korin precisou construir mecanismos de certificação para o consumidor. Os processos tiveram como base as normas da Associação Brasileira da Avicultura Alternativa (Aval), e desde 2008 as aves são inspecionadas pela WQS (World Quality Services). O produto foi o primeiro do Brasil a receber o selo de bem-estar animal emitido pela Human Farm Animal Care, que garante rastreabilidade da cadeia produtiva e assegura respeito à integridade do animal e permite que expressem comportamentos naturais à espécie.

Todo esse sistema orgânico e sustentável só é possível com um trabalho coordenado de toda a cadeia. A Korin acredita em modelos de parcerias com agricultores familiares de pequenas propriedades, que contribuem não só para o negócio da empresa, mas também para o desenvolvimento local e para a difusão da filosofia da agricultura natural. Desta forma, a Korin aposta no fortalecimento dessas propriedades, transferindo insumos para produção, tecnologia, conhecimento e suporte técnico. Essa ajuda se materializa em auxílio a veterinários, engenheiros agrônomos e outros técnicos que apoiam a adequação de cada propriedade às legislações e normas ambientais. Para além desse suporte, a empresa oferece melhores remunerações aos produtores da cadeia, garantindo padrões mais elevados para a renda rural e incentivando a fixação desses produtores e suas famílias.

Durante os 15 primeiros anos de operação, a Korin gerou prejuízos para manter o seu propósito vivo. A manutenção de todos os padrões diferenciados de produção, os investimentos em tecnologia e processos, juntamente com desafios de um sistema produtivo inovador — alta mortalidade e doenças dos animais provocadas por ausência de antibiótico, falta de treinamento dos produtores integrados etc. —, causaram períodos de grandes dificuldades. Ao mesmo tempo, o consumidor não estava preparado para esse produto, havia no Brasil um baixo conhecimento do que significava orgânico e sustentável e de qual era o valor embutido nessa proposta, e a legislação brasileira não reconhecia frango livre de antibióticos (só em 2012 entrou em vigor a Lei dos Orgânicos). Durante vários anos a Korin investiu em educação dos consumidores e procurou protocolos e certificações independentes sem um retorno evidente de curto prazo.

Esse contexto, que se prolongou até 2009, levou muitas vezes a empresa a pensar se estava no caminho correto — teria a Korin de abdicar de alguns requisitos do seu sistema produtivo? Um dos exemplos citados pelos executivos da empresa foi o momento em que a farinha de carne passou a ser permitida por lei na cadeia alimentar dos frangos; sendo o frango um onívoro, em tese não haveria problema em utilizar como nutrição uma farinha proveniente de animais. Contudo, o propósito da Korin e a crença no sistema produtivo levaram a empresa a optar por evitar proteínas animais, mesmo sabendo que elas seriam um promotor de ganho financeiro.

Só a partir de 2009, ano em que registrou o primeiro lucro, a empresa iniciou um novo período de prosperidade, que foi se ampliando. De 2007 a 2016 investiu cerca de R$ 25 milhões, viu o seu faturamento passar de R$ 20 milhões para R$ 132 milhões por ano e a produção crescer de 7 mil aves/dia para 21 mil aves/dia e os funcionários passarem de 178 para cerca de 400.

Um forte enfoque em tecnologia, treinamento de mão de obra, qualidade e reconhecimento das certificações permitiu começar um novo percurso. Entre os pontos mais relevantes para o crescimento e aumento da produtividade estão o melhor aproveitamento de cada animal — no caso do frango, que representava 75% da receita na época, foi possível começar a aproveitar a carne do dorso com nova tecnologia —, o investimento em túneis de congelamento, a aposta numa força de vendas com cobertura nacional e o investimento em educação do consumidor. Também o portfólio de produtos se alterou: de 60 itens saltou para 230 e foram desenvolvidas novas famílias de produtos, que se tornaram boas alavancas de vendas a partir de 2009.

Hoje a empresa é referência no mercado brasileiro de orgânicos, tem um balanço saudável e promete continuar a crescer alinhada com as tendências globais do segmento — só nos Estados Unidos, a produção orgânica de frango aumentou 15 vezes entre 2000 e 2011. A Korin, à semelhança da Whole Foods, promete ser uma das empresas que marcarão a vida dos consumidores nos próximos anos e contribuirão para a criação de novos hábitos alimentares no Brasil. Muitos consumidores dos produtos da Korin que lhes chegam à mesa desconhecem a filosofia da empresa, mas nunca é demais lembrar que a Korin é respeitada por seus altos padrões de qualidade e por ser guiada por um propósito.

Um novo referencial para definir propósito

Apesar dos benefícios cada vez mais evidentes que uma estratégia organizada em torno de propósito pode trazer, a grande maioria das corporações continua focada no “velho propósito” de maximizar o retorno para seus acionistas. Na maior parte dos casos, a governança corporativa se encarrega de perpetuar esse posicionamento, os acionistas escolhem executivos que não pretendem questionar essa crença e naturalmente se perpetua o modelo mental.

O grau de exigência dos consumidores e de outros stakeholders mudou. Vivemos num mundo em que os consumidores se uniram globalmente para contestar ou tornar irrelevantes empresas que não clarificam o seu papel na sociedade. Cada consumidor “vota com a sua carteira” quais empresas quer manter ou quais quer eliminar do atual contexto global. Fornecedores, comunidades ou ativistas influenciam a imagem que a empresa tem no seu ecossistema e ajudam a escrutinar o papel da organização.

É bom ter uma mensagem clara e saber explicar por que as empresas existem.

A EY tem trabalhado com várias empresas globais e nacionais na definição e ativação do seu propósito. (Os autores prestam consultoria às empresas citadas neste artigo). Trata-se de uma reflexão profunda que envolve executivos, acionistas e outros stakeholders para chegar a uma conclusão sobre a sua razão de existir. Além disso, é fundamental construir uma estratégia de negócio alinhada com essa definição, pois propósito sem conexão com os objetivos do negócio é intenção sem consequência.

A definição e ativação do propósito são feitas por meio de uma metodologia de cinco fases. A primeira é a avaliação do passado e presente: o que atingiu, como a empresa vê e orienta a sua estratégia, como os seus líderes se comportam e quais as suas crenças, como a cultura se desenvolveu e, por último, que propósito a empresa parece ter, dadas suas crenças e seu histórico.



Nesse momento da reflexão, os líderes empresariais imergem no entendimento do seu passado e no legado dos seus antecessores para entender como e por que tomaram as principais decisões da história da empresa.A partir da segunda fase da metodologia, inicia-se um processo de transformação do propósito em ações práticas para cascatear na empresa: clarificar como o propósito entra na mensagem da liderança, o que significa esse propósito para a experiência dos clientes e dos colaboradores e o que traz de novo para o modelo operacional da organização. Esses são os elementos necessários para construir um roadmap de ações que potencie uma nova estratégia e um desenho organizacional orientado para o propósito.

Um caminho sem volta

A corporação do século 21 terá de se adaptar a novas demandas do contexto de negócios. O velho paradigma de “orientação ao acionista” está sendo questionado pelos demais stakeholders. Consumidores ativistas e comunidades de stakeholders atentas procuram entender o papel que a empresa se propõe desempenhar na sociedade.

A construção e a ativação de um propósito não são mais necessidades secundárias. Utilizar uma metodologia para pensar de forma estruturada permite construir discussões orientadas e produtivas entre executivos, acionistas e stakeholders externos. Ao mesmo tempo, a forma como as discussões são estruturadas permite um perfeito alinhamento com o planejamento estratégico e uma visão pragmática do que é necessário colocar em ação no curto, médio e longo prazos.

Fonte: HRBR
Gestão & Liderança Postado em terça-feira, 19 de dezembro de 2017 às 15:00
Steve Jobs tinha razão. Ninguém consegue conectar os pontos olhando para frente. Somente quando tudo já aconteceu e nós temos a visão privilegiada do futuro é que entendemos como as situações se conectaram — e nos trouxeram até onde estamos hoje. Uma ideia que surgiu na faculdade, um contrato fechado que abre caminho para novos ou mesmo um negócio que fecha para outro nascer. Nunca se sabe. O que você está vivendo agora pode prepará-lo para o que ainda está por vir. E a história de Tiago Dalvi é um ótimo exemplo disso.

Tiago nasceu com o DNA empreendedor. Filho e neto de empreendedores, o fruto não caiu longe do pé. Mas foi só na faculdade de administração, em Curitiba, depois de trabalhar na empresa júnior, que ele encontrou suas maiores inspirações. Em vez de grandes empreendedores da época, donos de companhias gigantes e milionárias, quem realmente inspirava Tiago eram os seus amigos. Colegas de sala da sua idade que recusavam propostas de multinacionais para abrir o seu próprio negócio — seja ele uma loja de roupas ou uma organização social.

Tiago começou, naquela época, a trabalhar na Aliança Empreendedora. Lá ele conheceu de perto os desafios dos artesãos brasileiros, pessoas que sabiam como criar peças de design extraordinárias, precificar… Mas não sabiam vender. Enquanto isso, ele começou a bater em algumas portas em Curitiba e percebeu que existia demanda por esses produtos. Faltava alguém para unir esses dois mundos.

Em 2007, Tiago Dalvi abriu sua primeira loja de produtos feitos à mão em um shopping curitibano: a Solidarium. O sonho era grande — criar a maior rede de lojas de artesanato do Brasil –, mas logo em seguida a realidade bateu à porta.

Para Tiago, esse foi o maior investimento em educação que ele poderia fazer. Aprendeu a gerenciar o estoque, fazer escala de funcionários, cuidar da contabilidade… Mas a conta não fechava. E pior: escalar o negócio seria muito complexo e demandaria muito investimento.

Fechou a loja no início de 2008 e passou três meses estudando quais eram os modelos escaláveis de maior sucesso no Brasil.

Ligando os pontos

A resposta parecia clara: os negócios mais escaláveis estavam nas mãos dos grandes varejistas. Eles tinham a capilaridade que Tiago tanto buscava. Portanto, fazer parceria com um deles significava ter acesso a uma rede enorme de canais de vendas para os artesãos com quem trabalhava. Iria de 0 a 100 em pouquíssimo tempo.

Se o sonho era grande, o desafio era do mesmo tamanho. Tiago precisava mirar em um gigante do setor: o Walmart. A lógica era simples: se conseguisse fechar um acordo comercial com a gigante norte-americana, seria mais fácil abrir as outras portas.

O problema é que aquela porta parecia trancada a sete chaves. Na época, ninguém respondia e-mail e não existia LinkedIn para tentar uma conexão. Foi em um evento, por acaso, que Tiago conheceu um dos diretores do Walmart. Ele tinha dois minutos para convencê-lo a marcar uma reunião.

“Nesse momento, é importante ter o pitch afiado, saber vender sua ideia e ter o brilho no olho que vai fazer alguém parar para te ouvir. Meu discurso foi o seguinte: se o Walmart quer desenvolver a comunidade local, porque não dar a oportunidade de artesãos brasileiros apresentarem seus produtos ao público, usando suas lojas como canais?”

Quinze dias depois, Tiago estava desembarcando em Porto Alegre para uma reunião. Encheu duas malas de produtos, colocou mais de 100 mercadorias na mesa — 32 foram selecionadas para serem vendidas em uma loja curitibana como experimento. Uma conquista e tanto para um garoto de 23 anos.

Negócio fechado, agora era questão de tempo até o primeiro pedido chegar. O problema é que ele nunca chegava. Passou um mês e nada, dois meses e nada… Até que Tiago foi visitar a loja para entender o que tinha acontecido. O gerente estava louco atrás dele! Vários pedidos já tinham sido feitos através da plataforma do Walmart para o ERP (Enterprise Resource Planning) da Solidarium, mas ele não tinha ideia do que isso queria dizer. ERP não era uma sigla estranha para ele, mas Tiago nem imaginava que dezenas de pedidos precisavam ser processados em uma plataforma que conectasse o Walmart com a Solidarium. Deixou na loja um pedido de desculpas, feliz com as vendas e saiu com um pedido na mão para ser entregue 20 dias depois.

A resposta dos consumidores não poderia ser mais positiva! Alguns dos produtos de artesanato viraram campeões de vendas daquela unidade. O sucesso foi bem visto pelo Walmart, que ofereceu mais três lojas nos meses seguintes. E o plano inicial de abrir outras portas, depois de conquistar o Walmart, deu certo. Tiago fechou parceria com Tok&Stok, Mundo Verde e até Lojas Renner.

A empresa crescia em ritmo vertiginoso, mas a rotina não era nada fácil. Tiago pegava o carro da namorada, buscava os produtos com os artesãos, embalava, etiquetava, colocava no porta-malas e ia para as docas dos varejistas. Lá chegava a esperar, muitas vezes, uma manhã inteira, para entregar os produtos e tabular a nota fiscal. Depois que entregava tudo, subia para a loja e ainda organizava os produtos nas gôndolas. Era uma vida sem ar-condicionado.

Enxergando o ponto que passou despercebidoEm 2011, a Solidarium foi selecionada pela Artemisia em um programa de aceleração de negócios sociais. As mentorias e os feedbacks que recebeu ajudaram Tiago a enxergar que o negócio da Solidarium era muito bom, mas o modelo era difícil de escalar por conta da operação.

No mesmo ano, Tiago conheceu o Unreasonable Institute, uma aceleradora de impacto social, que tinha aberto inscrições para alguns empreendedores serem apoiados no Vale do Silício. Em uma época na qual crowdfunding ainda não era nem conhecido no Brasil, Tiago conseguiu captar investimento de parceiros e amigos para viajar para os Estados Unidos e passar 45 dias por lá. Aquele foi o momento da virada. Lá, Tiago teve o seu primeiro contato com o que eram, de fato, os negócios de internet. Mentores do eBay, Walmart.com e tantos outros negócios deram uma chacoalhada enorme para que ele enxergasse aquilo que não tinha visto até então: tudo o que ele estava tentando fazendo no mundo físico fazia mais sentido no online.

Naquele momento, os pontos se conectaram.

Voltando para o Brasil, Tiago decidiu transferir toda a operação física para o digital, criando a Solidarium Online, um e-commerce de venda de produtos de artesanato em que cada artesão teria a sua própria loja. Mas, como criar um negócio digital sem ter nenhuma cabeça de tecnologia? Se a tecnologia era o core business, precisava ser internalizada.

No primeiro mês, esse novo e-commerce ultrapassou todo o histórico de resultados da operação física. A Solidarium foi de 300 artesãos para 1.000 lojistas em um mês. Com o tempo, chegou a receber 1 milhão de visitantes mensais com 15 mil lojistas cadastrados que ofereciam mais de 300 mil produtos. A operação física foi fechada para que eles pudessem se dedicar apenas ao online.

Porém, mais uma vez, a conta não fechava. A margem dos produtos era muito baixa. A comissão paga pelo artesão por cada produto vendido se diluía com impostos, intermediadores financeiros e outros gastos da operação. No fim do dia, não sobrava nada.

Mais uma vez, o aprendizado: se a conta não fecha, é impossível escalar — mesmo no digital.Tiago percebeu que a Solidarium sabia como atrair os vendedores, depois de anos de relacionamento com a comunidade de artesãos, mas o custo de aquisição de clientes finais era extremamente alto. E para piorar: todos os parceiros varejistas que eles tinham cultivado ao longo dos últimos 8 anos estavam migrando para o digital, tornando-se concorrentes extremamente fortes.

O que poderia ser o fim — mais uma vez — foi um renascimento. Tiago via que empresas como o Walmart.com eram excelentes na atração de clientes, mas não tinham estrutura de estoque para armazenar produtos de cauda longa, com alta diversidade e baixa demanda.

Foi nesse momento que a ficha caiu. Não fazia mais sentido escalar a Solidarium no modelo existente, criando uma plataforma única de e-commerce para artesãos. Ela poderia se tornar a ponte entre lojas do mundo offline e os maiores marketplaces do país — conectando pequenos lojistas a marketplaces como Mercado Livre, Walmart.com, Submarino, Extra e Americanas. A ideia parecia boa, mas tinha um detalhe: Tiago precisava explicar essa mudança de rota aos investidores que tinham acabado de fechar uma rodada de investimento na Solidarium.

Quando tudo se encaixaUm mês depois de assinar o contrato, Tiago sentou para conversar com cada investidor. “Eu abri o jogo e falei: ‘Olha, eu não acredito mais em escalar a Solidarium, mas acredito em outra ideia. Quero contar com vocês, mas se vocês não toparem, eu devolvo o dinheiro.’”

Eles fizeram a aposta e decidiram manter o investimento. Acreditaram no empreendedor, acima do negócio. Três meses depois, no início de 2015, nascia o Olist, a empresa que desde o dia 1 carrega os aprendizados de uma jornada empreendedora de quase 12 anos. “É impressionante quando você encontra o modelo certo, você simplesmente sente!”.

Na prática, o que faz o modelo de negócio do Olist dar certo é oferecer aos pequenos empreendedores, normalmente sem presença digital, espaço nos grandes marketplaces do país. Para monetizar o serviço, o Olist cobra uma mensalidade para o uso da plataforma, além de uma comissão sobre as vendas feitas pelos lojistas.

“O que a gente conseguiu e que é muito único no mercado é que não concorremos com ninguém. Nosso modelo de negócio dialoga com todos os players: lojistas, grandes varejistas e consumidores. E, nessa relação, todo mundo sai ganhando.”

Hoje, o empreendedor enxerga que o papel dele mudou. Como empreendedor e CEO do Olist, seus principais desafios são:

1. Ter uma visão de futuro inspiradora: manter o time alinhado, empolgado e motivado;

2. Trazer as melhores pessoas para o time: é impossível escalar sendo uma empresa de uma pessoa só;

3. Não deixar o dinheiro acabar: continuar fazendo tudo isso com um modelo financeiro enxuto.

É impossível descobrir hoje como os pontos vão se conectar lá na frente. Por isso, a lição que Tiago aprendeu com toda a história é que nunca devemos escrever o modelo de negócio em pedra.

Não deu certo a loja, muda.

Não deu certo o varejo, muda.

Não deu certo o e-commerce, muda.

O mais importante é que o propósito sempre seja maior do que a vontade de desistir. Teria sido fácil desistir quando a primeira loja do shopping fechou, quando o contato com o Walmart parecia impossível ou quando a Solidarium tinha uma operação muito complexa. Mas tudo isso se conectava em um ponto em comum: a vontade de desenvolver uma comunidade com os maiores lojistas do Brasil.

E para realizar esse sonho, Tiago agora conta com novas conexões! Nessa semana, ele foi aprovado como o mais novo Empreendedor Endeavor no ISP (International Selection Panel) de Miami.

A partir de agora, ele tem ao seu alcance uma rede de mentores e empreendedores para ajudá-lo nos desafios de crescimento, enxergando os pontos mais importantes para executar a estratégia e entendendo como tudo se conecta. Mesmo sem a certeza do que pode mudar daqui para frente, Tiago e seu time de 100 Olisters — que antes nunca tinha passado de 5 na Solidarium — têm uma única certeza:

“De agora em diante, a gente vai muito longe. Nossa intenção é construir uma empresa de bilhão. Eu acredito que é questão de tempo. É muito mais uma questão de ‘quando’ do que ‘se vamos’.”

Fonte: Endeavor