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Postado em terça-feira, 17 de agosto de 2021 às 11:10
Número de medalhas conquistadas em Tóquio mostra que somos uma potência olímpica; mas será que somos uma potência esportiva?
Continuamos a falar sobre Olimpíadas. Uma semana após o encerramento dos Jogos em que ficamos na 12ª posição no ranking de medalhas, nossa melhor marca na história, tivemos tempo de parar e refletir sobre essas medalhas e colocações. Parar para respirar nos permite deixar a emoção de lado e organizarmos as ideias de forma a extrair os pontos positivos e negativos dos acontecimentos.
O primeiro aspecto que quero trazer é uma referência a um artigo do Djan Madruga, nadador e medalhista olímpico de 1980. Ele comenta que, com o bom número de medalhas conquistadas pelo Brasil, talvez possamos nos considerar uma potência olímpica. Mas ele completa: estamos distantes de sermos uma potência esportiva.
Não poderia concordar mais. Como vimos na coluna da semana passada, somos um país que está se afirmando como forte competidor e conquistador de medalhas olímpicas em alguns esportes, notadamente judô, natação, atletismo (em pequena escala), futebol (o que não chega a ser animador, nem uma grande vantagem olímpica) vela e vôlei de quadra e praia.
Com altos e baixos normais, são esses os esportes que nos ajudam a garantir medalhas na maioria dos Jogos Olímpicos. Talvez seja possível sonhar com a possibilidade de a canoagem e a ginástica artística se juntarem a esse seleto grupo, mostrando uma evolução importante. Mas ficamos nisso.
Se as Olimpíadas possuem 33 modalidades, nos limitamos a seis e com potencial de mais duas, além dos novatos surfe e skate. No melhor cenário teremos dez modalidades com boas chances de performance, contando com os outsiders usuais, como já foram o tiro e o tae-kwon-do.
Isso nos possibilita, a médio prazo, chegarmos à marca de 30 medalhas, igualando ou mesmo superando países como Itália, França, Alemanha e Holanda, se conquistarmos mais de 10 medalhas de ouro.
Mas o que isso significa em termos de desenvolvimento esportivo efetivo? Talvez um estímulo logo após os Jogos, mas nada muito além disso. E o que precisamos para ir além de sermos uma potência olímpica e virarmos uma potência esportiva? Investimento.
Aqui entra a grande questão. Projetos olímpicos são projetos de Estado. Projetos olímpicos vivem do dinheiro público, direta ou indiretamente. Seja através da Bolsa Atleta, dos recursos das loterias (meio estatal, meio das pessoas) ou dos investimentos das Forças Armadas, a parcela de dinheiro aportada pelo Estado no desenvolvimento do esporte é grande.
É ela a grande responsável por conquistas olímpicas. Apoiada por dinheiro supostamente privado, mas que, em grande parte, tem origem na Lei 11.438/06. Dinheiro privado com característica pública. Segundo relatório do Ministério da Cidadania, os valores aplicados aos projetos originados pela lei foram os seguintes (corrigidos pelo IPCA):
Esses recursos são direcionados a três blocos de projetos: de educação, de participação e de rendimento (atletas efetivamente olímpicos).
Em 2020, foram apresentados 1.421 projetos, sendo 616 (43%) educacionais, 288 (20%) de participação e 517 de rendimento (37%). E, dentro dos esportes atendidos, o que mais recebe é o futebol, seguido de vôlei, atletismo, basquete, judô, natação, tênis e handebol.
Note, portanto, que o dinheiro privado de origem pública destina sua maior parcela para os esportes que já são, em sua grande maioria, os responsáveis pelo melhor desempenho olímpico. E o que mais recebe é o futebol. No mesmo relatório, há indicação que foram executados efetivamente 184 projetos, sendo apenas um na região Norte, três na região Centro-Oeste, 10 na região Nordeste, 34 na região Sul e 136 no Sudeste.
Como em 2020 foram destinados R$ 280 milhões a partir da Lei de Incentivo, podemos então comparar com os recursos vindos da Bolsa Atleta (R$ 145 milhões), os recursos da lei 13.756 (antiga Agnelo-Piva) (R$ 293 milhões) e chegamos a R$ 718 milhões no ano passado.
Onde está o problema? O problema está em considerarmos os Jogos Olímpicos como referência, especialmente em relação ao número de medalhas. Daí, o que mais importa é ser potência olímpica e não potência esportiva.
Por exemplo, precisamos medir de forma eficiente o uso dos recursos que estão sendo direcionados ao esporte. E aqui começam perguntas e provocações.
Temos um órgão centralizado com KPIs claros e medidos de tempos em tempos? Não para o alto rendimento, mas para a formação básica de atletas?
Temos metas claras e comparativas com as grandes potências esportivas e que nos permitam avaliar se os investimentos estão nos fazendo aproximar dessas potências?
Temos a clareza de que o investimento e incentivo ao esporte precisa ser uma política público-privada e cujo objetivo seria a formação de cidadãos, o desenvolvimento educacional e, apenas para aqueles que se destacarem e forem muito acima da média, atividade de alto desempenho?
Não consigo responder essas perguntas. Mas consigo dizer que o Brasil precisa de um norte para o desenvolvimento do esporte no país.
O país precisa entender que através dele e de projetos de captação são formados as Rebecas Andrades, as Bias Ferreiras, os Herberts Conceição, e que precisamos ampliar projetos que sejam capazes de encontrá-los.
Não para que sejam medalhistas, mas para que possam ganhar uma oportunidade de associar a prática esportiva ao estudo de qualidade. Dessa seleção sairão os medalhistas.
E precisamos cuidar do pós-quadra. Quando o físico não dá mais conta, os atletas estão prontos a seguirem com suas vidas? Precisamos tratar disso. Cabe à iniciativa privada ir além do uso das leis de incentivo e criar modelos de desenvolvimento esportivo cuja visão vá além dos Jogos Olímpicos.
Num país que vive um boom de startups, fintechs, sportechs, gente desenvolvendo modelos de todas as espécies, está na hora de aportar todo esse conhecimento no esporte. Não é pelas medalhas, é pelo desenvolvimento do país.
Fonte: Infomoney