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Varejo & Franquias Postado em terça-feira, 02 de abril de 2024 às 11:23


“Não está simples explicar o quadro atual de desempenho no varejo – considerando notícias econômicas que o governo divulga, aparentemente positivas -, os resultados negativos de algumas empresas do setor enquanto outras apresentam excelente performance.

Na essência de tudo está a natural diversidade de comportamento entre segmento, setores, canais, categorias, os dados macroeconômicos e sua interpretação e a sempre presente análise do copo meio cheio e meio vazio ou, se preferirem, uma coisa é uma coisa e outras coisa é outra coisa.”

Existe uma melhoria da renda real da população e da massa salarial como resultado do processo de retomada pós pandemia. Mas essa realidade é diversa regionalmente e com uma forte recomposição estrutural do emprego.

Os dados publicados na semana passada indicam uma redução do desemprego, que está em 7,8%, depois de ter atingido 14,8% no pico durante a pandemia.

Mas não deve ser esquecido que os critérios de apuração desse índice definem desemprego pela lógica de quem não está procurando emprego.

Se uma pessoa recebe o Auxílio Brasil e se acomoda e não procura emprego, situação que envolve parte de pouco mais de 21 milhões de beneficiados, não faz parte do contingente de desempregados. E vale a cautela na análise, pois só em 2023 cerca de 2 milhões de famílias passaram a receber adicionalmente o auxílio.

Portanto, pessoas que não estão procurando emprego derrubam o desemprego, quer porque estejam empregadas de forma convencional ou, alternativamente, porque se tornaram microempreendedores individuais.

Os MEIs já somam quase 15 milhões no País e tiveram um crescimento de quase 50% nos últimos 5 anos, como parte desse processo de reconfiguração estrutural do emprego que é fenômeno global e local.

Mas é fato que a massa salarial atual de R$ 307,2 bilhões, e em crescimento, é a maior dos últimos anos e teve uma evolução real, descontada a elevada inflação do período – de 17,5% – em relação há 10 anos, ou seja, ao início de 2014.

Se somada aos R$ 13,5 bilhões do renovado Bolsa Família, a renda disponível chega a R$ 320,7 bilhões, número nunca alcançado anteriormente.

Igualmente deve ser lembrada a queda do nível de inflação, em especial a de alimentos, aquela que é mais sensível no comportamento e nas expectativas dos consumidores, em particular, na baixa renda, tanto na alimentação no domicílio como fora de casa.

Esses dados indicariam um potencial de consumo no varejo em patamares jamais alcançados e deveriam fazer com que o desempenho do setor fosse muito melhor. Só que não.

Conspiram para reduzir esse desempenho alguns fatores que não devem ser esquecidos.

Em primeiro lugar, 26,7% da renda das famílias estão comprometidos com pagamento de crédito e dívidas contraídas, inclusive, no financiamento habitacional. Um pouco inferior aos quase 28% no pico recente desse número durante a pandemia, seu ponto mais alto.

O endividamento das famílias em relação à massa salarial na média móvel dos últimos 12 meses é de 47,96%, também um pouco inferior ao pico do início de 2022, no período crítico da pandemia, quando foi de 49,66%, ou seja, apenas uma leve redução.

As taxas de juros praticadas nas vendas no varejo também representam fator de cautela e preocupação inibindo novas compras.

Como resultado desses e de outros fatores, a confiança do consumidor, no mês de março, foi de 91,3, ainda em recuperação dos menores patamares durante a pandemia, mas muito abaixo dos melhores indicadores do passado.

Na prática, os consumidores estão melhorando seus rendimentos ou por emprego formal, atividade empreendedora no reconfigurado quadro das relações trabalhistas ou por conta do auxílio governamental, mas estão ainda pressionados pelas dívidas e compromissos antes assumidos e com a confiança reduzida para sacar sobre o futuro.

E isso se reflete no desempenho flutuante do consumo e do varejo no País.

Não pode ser esquecido que existe uma drenagem sistemática de renda direcionada para compras nas plataformas internacionais, beneficiadas pela inaceitável isenção dos impostos de importação, sem falar no enorme crescimento das apostas esportivas que também drenam recursos do consumo interno.

Por conta disso, muitos segmentos do varejo estão com desempenho baixo, como moda, confecções, eletrônicos, material de construção e até mesmo alimentos, enquanto uns poucos, como saúde, medicamentos e cuidados pessoais, apresentam melhores resultados, assim como alimentação nas alternativas de varejo orientado para valor, como os atacarejos.

Tudo com uma distribuição geográfica desigual, dependendo da vitalidade econômica local, beneficiando regiões com predominância da atividade agro e serviços enquanto outras têm maior dificuldade quando prevalece a industrial.

Se pensarmos na lógica do curto e médio prazo, é possível considerar que tendemos a um período de melhoria mais ampla do consumo, pela conjugação dos fatores positivos, e que poderá ser maior com redução das taxas de juros, do endividamento e continuidade do aumento do emprego e da renda real, que já parecem contratados.

Mas se formos realistas e olharmos a mais longo prazo, existem desafios brutais para potencializar os recursos naturais e humanos que dispomos e promover uma transformação estrutural maior como a nação merece.

E isso é muito mais do que olhar o copo meio cheio ou meio vazio. É uma questão de consciência e atitude. Em especial do setor empresarial.

Fonte: Mercado & Consumo